Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A narrativa de como um padre missionário italiano motivou transformações positivas na vida de milhares de pessoas empobrecidas em cidades do nordeste brasileiro por onde passou virou um livro com depoimentos emocionantes. A obra “Padre Aldo Giazzon: um legado de esperança”, escrita por Ir. João Batista Magalhães Sales, foi lançada na tarde da segunda-feira, 15/07, no município de Colônia Leopoldina, zona da mata de Alagoas.

Padre Aldo Giazzon durante lançamento do livro em sua homenagem.
 

Quem é Aldo Giazzon? “Eu vejo o Padre Aldo como um grande missionário que abraçava a todos e levava todos ao coração de Jesus. Isso é o mais importante: saber que ele foi um representante de Jesus Cristo nesta paróquia e ninguém vai esquecer”, resumiu a religiosa Gisélia Sobrera, representando a voz da paróquia da cidadezinha.

Comunidade de Colônia Leopoldina e pessoas de outros municípios
prestigiam o evento de lançamento.


Mas, o evento de lançamento do livro mostrou que o missionário deixou muitas sementes distantes da paróquia. O local estava lotado, com pessoas sentadas, em pé e até na porta esperando o momento para agradecer e demonstrar seu carinho pelo padre. Era difícil chegar até Aldo. Quando questionado se poderia conceder uma entrevista, respondeu: “O que você vai escrever? Jornalista escreve o que quer!”, e pediu para escutar primeiro os depoimentos daqueles que o conheceram. Não foram poucos os relatos. Primeiro, no filme exibido antes da cerimônia. Depois, durante as falas dos presentes na mesa.

Religiosas católicas, pastores de outras igrejas, professores, 
sindicalistas e ativistas estiveram presentes.

Carlos Lima, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Alagoas contou como conheceu o Pe. Aldo Giazzon quando era jovem. Lembrou da Campanha da Fraternidade da mulher em que fez parte de uma peça teatral chamada “Eva não morreu”, que abordava a situação das mulheres e resgatava a memória da sindicalista chamada Margarida Alves, assassinada por latifundiários na Paraíba. “Nós apresentávamos no salão, e Aldo dizia: ‘tem que ser rápido, viu?’, porque o clima não era muito bom”, relatou em referência à forte violência no campo naquele período. Foi o Giazzon que chamou Lima - na época integrante da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) e voluntário da Pastoral Operária - para a CPT. 

Carlos Lima conta que foi convidado pelo missionário para a CPT.


“Eu acho que essa forma de apresentar Jesus Cristo, o Evangelho, envolver os mais pobres, e dizer que não é pobre porque Deus quer - mas sim porque o capital quer, porque os ricos querem - isso é muito importante, porque não é pobre como a gente aprende na Igreja, são empobrecidos. Então, Aldo tem esse jeito de ser missionário”, disse o agente pastoral. 

O padre nascido em Belluno, na Itália, chegou ao Brasil durante a ditadura militar, em 1965. Passou por diversas paróquias na diocese de Feira de Santana/BA, foi pároco de São Donato de Lamon no seu país de origem e, após três anos, voltou ao nordeste brasileiro para ser vigário em Colônia Leopoldina, onde permaneceu até 1996. Naquele ano, retornou para Itália com a função de dirigir o Centro Missionário responsável por manter contato com os setenta missionários diocesanos espalhados na América Latina, Ásia e África. Hoje, aos 82 anos de idade, visita o Brasil. 

Para Carlos Lima, o livro ainda é pouco para falar do legado daquele homem e sua capacidade de pregar o evangelho mais além. Ele frisou a importância da memória para a continuidade das lutas sociais: “...porque um povo sem memória é um povo derrotado. Parabéns, Aldo! Parabéns Irmão João, por reunir tanta gente para fazer esse depoimento!”.

O combate à violência e todas suas diferentes faces é uma das marcas das ações do Pe. Aldo. Por isso, ele esteve presente em conflitos no campo em outros municípios e, também, em projetos sociais voltados para as minorias e mais necessitados. Um desses projetos foi a Horta Nossa Esperança, onde crianças e adolescentes (a maioria negra e semianalfabeta) vindas da rua foram acolhidas. 

O pequeno agricultor Florisval, que foi membro da CPT em Craibas, 
convida alguns dos envolvidos, crianças à época, na horta defendida pelo padre.


Ivanilda Alves, presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) e integrante da Associação de Mulheres de Colônia, relatou que “naquela época, nos anos 90, Pe. Aldo dizia para reativar a associação [de Desenvolvimento Comunitário Mandacaru (ADECOMA)] porque as crianças estavam entrando no mundo do crime". De acordo com ela, atualmente, a cada semana um jovem é assassinado na cidade. Mas, graças ao trabalho do missionário, os filhos daqueles que tiveram oportunidade estão fora do mundo das drogas. “Os pais que passaram pela horta quando eram crianças, hoje, não têm filhos no mundo da criminalidade. Isso acontece graças ao seu trabalho”,  afirmou.

Ivanilda entrega homenagem da ADECOMA ao Pe. Aldo.


"O povo não é pobre, o povo é empobrecido"

O momento mais esperado foi o discurso do padre. Ao segurar o microfone, ele pediu para todos se levantarem “para o sangue correr nas veias”. Com o público mais animado, após algumas horas de homenagens, Aldo - que tem o dom de escutar - mostrou, também, seu dom de se fazer ser escutado com ânimo. 

Padre Aldo Giazzon faz um discurso animador.

“Tem uma coisa que está na minha cabeça: ‘o povo não é pobre, é empobrecido’. Eu não uso a palavra pobre. Por quê eu uso a palavra empobrecido? Porque é empobrecido na cultura, por não ter escola suficiente, meios suficientes para crescer; é empobrecido de humanidade, porque tem meninos na rua, tem a violência, tem injustiça. Então, a humanidade não tem respeito. É empobrecido na terra, no poder aquisitivo, porque - é verdade, estão na democracia - mas se vou ao supermercado nessa democracia e tenho dinheiro eu compro tudo o que eu quero, mas se eu não tenho dinheiro, não tenho nada. Então, democracia que não é! Outra coisa que eu aprendi quando pensava nessas coisas é o seguinte: o pobre - vamos dizer agora, o empobrecido - não tem nada, então, [acham que] não vale nada, então, não sabe nada. Agora, pergunto: se um pai de família com nove filhos, criou esses nove filhos e criou bem para o mundo, a sabedoria dele não é uma sabedoria de Deus? Não sabe de nada o quê? Não sabe de nada de certo tipo de coisa, mas sabe outras coisas”, falou.

Pe. Aldo também citou algumas situações em que viveu, a exemplo de quando foi chamado de última hora por um deputado porque os sem-terra haviam ocupado uma área no município de Branquinha e seriam despejados com uso de violência. Ele contou que, diante de helicóptero, da polícia e do juiz que havia determinado o despejo o pediram para fazer um apelo aos camponeses. E assim foi feito: “Meus irmãos e minhas irmãs, eu chamei todos aqui, vocês são brasileiros, não são? Tem terra no Brasil? Tem. E porque que tem cerca? Quem fez a cerca, foi Deus? Não. Então, eu disse: Eu sou da não-violência. Mas eu sou da justiça também. Agora nós vamos sair, vamos para a beira do caminho [da pista] e daqui há seis meses vocês vão entrar. Pronto, resolveu”. Essas foram as suas palavras. 

Ele destacou que não-violência é um ponto essencial. Entretanto, ela significa ter atitudes e não ficar de braços cruzados esperando as coisas caírem do céu. Isso porque Jesus nunca usou a violência, nem mesmo com quem estava o matando. 

“Eu não tenho inimigo, porque Jesus, lá na cruz disse: ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem’. Se nós queremos ser Cristãos - falo ao evangélico ou não evangélico, católico ou não católico - ter a tranquilidade de dormir sem ter inimigos é uma beleza, pelo menos para mim; os outros pensem o que quiser! Essa é a primeira coisa, a não-violência”, explicou Pe. Aldo.

Na opinião do missionário, devemos respeitar a lei, mas a lei brasileira não é lei de Deus, pois a lei de Deus não tem cercas e nem defende que uns poucos tenham milhares de hectares de terra enquanto muitos não tenham nada. Nessa mesma linha de pensamento, Aldo falou que o povo deve se organizar, porque as autoridades devem servir ao povo e não dominá-lo. 

“Quero terminar dizendo assim: é em nome da fé que eu fiz isso. Não é em nome de qualquer outra coisa - pode ser também política - mas é em nome da fé, porque é dessa fé que eu vivo, em nome da fé em Jesus Cristo que me dá coragem de vencer, de não ter medo, de enfrentar e de deixar um legado, se assim Deus quiser”, finalizou.

Foto e Texto: Lara Tapety - CPT Alagoas

 

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