Cerca de 35 mulheres, agentes da CPT de várias partes do Brasil, participaram do Encontro Nacional de Mulheres da CPT, realizado entre os dias 30 de maio e 1 de junho, em Luziânia (GO). A partir de uma leitura feminista da Bíblia e da assessoria da pastora metodista e agente da CPT, Nancy Cardoso, as mulheres refletiram sobre o tripé machista em que se formou a nossa sociedade, as ideias conservadoras de “Deus, pátria e família”.
texto e fotos: Cristiane Passos*
Marcado para ter início no dia 30 de maio, o Encontro Nacional de Mulheres da CPT teve início com a participação de todas no Ato em Defesa da Educação, realizado em pelo menos 136 cidades de 25 estados, e mais o Distrito Federal, e que levaram milhares de pessoas às ruas em defesa da Educação, contra a Reforma da Previdência e as políticas de Estado nefastas do presidente Jair Bolsonaro.
Ao retornar à atividade, as mulheres puderam debater como esse “tripé” sustenta uma ideia machista de composição da sociedade, a partir da interpretação da história na Bíblia de Acsa, jovem filha de Calebe, que foi dada em casamento a Otniel, em recompensa por esse ter conquistado terras em Israel. O pai de Acsa além de ter dado a filha em casamento, sem consultá-la, ainda deu-lhe terras secas como presente de casamento. Acsa, então, persuadiu seu pai, para que esse lhes dessem terras com fontes de água. O pedido foi aceito. Para Nancy, “Muita coisa não mudou, o acordo que a ofereceu de ‘brinde’ foi mantido, mas ela mudou algumas relações. Isso mostra que no processo de luta pela terra e de resistência, mesmo na antiguidade, não é possível dizer que as mulheres aceitavam as relações patriarcais de forma passiva”.
Os ciclos de opressão às mulheres vão se reproduzindo ao longo da história. A partir da animação “Vida Maria”, em que uma menina de cinco anos de idade se diverte aprendendo a escrever o nome, mas é obrigada pela mãe a abandonar os estudos e começar a cuidar dos afazeres domésticos e trabalhar na roça, vemos essa história se repetindo ao longo das gerações. É dentro dessa conjuntura que ainda estão muitas mulheres que atuam na CPT e outras tantas com as quais a CPT trabalha, e faz parte do trabalho pastoral contribuir no processo de rompimento desses ciclos e de emancipação dessas mulheres.
Violência e solidão são realidades no campo
A partir de outro vídeo, as mulheres da CPT viram a história de dona Lindalva, sem-terra que lutou, acampou e hoje, orgulhosa, é assentada. “Só a luta muda a vida”. Dona Lindalva fala de várias pobrezas, ela destaca que a dela é ter chinelo velho e roupa doada para usar, mas que ela é feliz, na terra conquistada, na escola que, aos 55 anos, passou a frequentar. Ela mostra a importância das riquezas conquistadas
Mas a realidade da luta e do trabalho no campo para as mulheres, tem também dificuldades, violência e silenciamento. Muitos casos de violência doméstica acontecem numa realidade ainda tão machista e, muitas vezes, retrógrada. Compartilhamos histórias de agricultoras que sofreram anos nas mãos de maridos violentos e na realidade do campo, em que a distância as isola ainda mais, sofriam de forma solitária. As mulheres perceberam que existe uma violência simbólica, imposta pela estrutura patriarcal e o tripé social já citado, e uma violência concreta e real, que a CPT também precisa enfrentar em sua ação Pastoral.
“A violência contra a mulher é sistêmica e funcional dentro do patriarcado. Na crise as mulheres são as primeiras a serem prejudicadas. A monarquia é um governo de todos os homens sobre todas as mulheres, na Bíblia isso é muito claro, por exemplo. Mas vemos, também, o patriarcado na estrutura da família e na estrutura do Estado. De novo: ‘Deus, pátria e família', a tríade assumida por esse governo reacionário que está no poder é contra as mulheres, é para oprimir as mulheres, em especial. Com a precarização das políticas públicas, as violências vão ficar mais fortes no âmbito comunitário e no âmbito familiar”, destacou Nancy.
A partir dessas discussões e debates, as mulheres da CPT levantaram ações que devem ser assumidas no trabalho pastoral para enfrentar essa realidade, como criar um ambiente acolhedor para essas mulheres, suas dores e denúncias, e fortalecer os coletivos de mulheres para o enfrentamento e resistência a essa realidade. Dessa forma o trabalho delas na CPT com as mulheres deve priorizar, entre outras questões, a formação de redes de apoio e proteção às mulheres; incentivar projetos de geração de renda e autonomia financeira para as mulheres; promover a formação delas; ter em mente ações de auto-cuidado, juntamente à mística e espiritualidade dos grupos de mulheres, respeitando suas vivências e práticas coletivas. Além das reflexões em relação à atuação com grupos de mulheres no trabalho pastoral, as agentes da CPT também refletiram sobre suas realidades e vivências dentro da própria Pastoral, a luta diária de enfrentamento ao machismo, reproduzido em várias instâncias da nossa sociedade, e como resistirem e caminharem rumo a uma transformação social plena para as mulheres. Um compromisso definitivo assumido por essas mulheres foi de seguirem na luta e de que “Ninguém solta a mão de ninguém”.
*Setor de Comunicação Secretaria Nacional da CPT.