Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Confira na integra a homilia do Padre Hermínio Canova, proferida durante a celebração de ação de graças pelos 30 anos da CPT NE2 - Catedral/Basílica de Nossa Senhora das Neves, João Pessoa (PB)

Ocupamos, hoje (13/08/2018), o espaço sagrado deste belíssimo santuário; santuário de Deus, de Nossa Senhora e do Povo de Deus. Entramos aqui para rezar, louvar, escutar e agradecer ao Pai pelos 30 anos da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste 2.  Estamos aqui, emocionados e emocionadas, celebrando juntos o encerramento do grande Encontro de história e memória e de novos compromissos para o próximo futuro, nos estados de Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba. Estamos aqui, felizes, para cantar, bailar, tocar instrumentos, como diz o salmo bíblico: “Tocarei para Ti a harpa de dez cordas“.

Mas nós estamos aqui também por outro grande motivo: esta Catedral guarda o corpo de dois grandes amigos da CPT, pastores e bispos, Dom José Maria Pires e Dom Marcelo Carvalheira. O túmulo deles está na pequena sala logo na entrada da Igreja. Dom José foi o Bispo dos agricultores e das agricultoras da Paraíba, o Bispo da CPT, criador de abelhas e quilombola de Deus. Ele dizia sempre: “na minha Diocese, os agricultores estão fazendo a Reforma Agrária, sem violência eles entram nas terras dos latifúndios e criam comunidades novas”. Dom Marcelo nos acompanhou e ajudou na Pastoral Rural e na Pastoral da Terra com sua fé e inteligência. Grande expoente da Igreja da Libertação, Dom Marcelo celebrou na Igreja Matriz de Araruna a única missa naquele domingo em toda a Diocese, no dia da libertação de Tota, trabalhador preso na cadeia da cidade por 40 dias. Liberto, Tota entrou na Igreja segurando a cruz vitoriosa enfeitada de flores. Dom Marcelo aproveitou da ocasião para afirmar em voz alta que “a libertação de Tota é a libertação de toda a classe trabalhadora!”. E foi aquela festa e aquele louvor de todo o povo lá reunido.

1988 - 2018: são 30 anos de caminhada da CPT junto aos agricultores e às agricultoras da nossa região; mas hoje podemos acrescentar os 10 anos anteriores a este período (1978-1988), quando trabalhamos como Setor da Pastoral Rural do Regional NE2 da CNBB. Neste primeiro período, emblemática e inspiradora de muitas outras lutas na nossa região, em todo o Nordeste e no país, foi a saga dos posseiros de Alagamar (PB). Luta vitoriosa que durou de 1976 a 1980.

O exercício de resgate e memória deste passado recente dá sentido aos nossos compromissos no tempo presente e no futuro. Nestes dias de Encontro, contemplamos o passado e percebemos, na fé, a ação de Deus sempre presente na história do povo que a Ele pertence. Sentimos também, dentro de nós, muita indignação por ter visto e sofrido tantas injustiças, dificuldades, perseguições, prisões e morte de agricultores, agricultoras e agentes de pastoral.

Para esta celebração, a equipe de liturgia escolheu uma página extraordinária do Evangelho, Lucas, capítulo 4: Jesus proclama o “Ano da Graça do Senhor” na sinagoga de Nazaré. Jesus faz um exercício de memória da caminhada do Povo de Deus, resgata a voz dos profetas, lê o texto de Isaías. Mas, surpreendentemente, o Mestre de Nazaré toma uma grande decisão: é o tempo, Ele diz. Agora chega de profecias, de teorias e teologias, agora é a hora de começar, agora começa “o tempo da graça de Deus”. “Hoje”, diz Jesus, não amanhã.  Hoje começa o tempo da libertação do povo de Deus, libertação de toda escravidão, do medo, das dívidas dos pobres, da falta de terra e falta de liberdade. De fato com Jesus -o mundo voltou a começar!-

Por isso, vocês, trabalhadores e trabalhadoras da terra, não pensaram duas vezes: com fé em Deus, lutaram, ocuparam, resistiram; com vocês o campo -voltou a começar-. Vocês começaram novas relações no campo, vocês criaram novas comunidades, livres do patrão, do cambão e de toda escravidão. A famosa Teologia da Libertação vem mesmo de Jesus, é o modo de pensar e de agir de Jesus; esta página do Evangelho que escutamos é o documento de fundação do Cristianismo da Libertação que nós chamamos de Teologia da Libertação. Mas vocês agricultores e agricultoras foram as mãos e os pés de Deus. Com vocês, as profecias se tornaram realidade, vocês começaram a construir o Reino de Deus em suas regiões, vocês concretizaram o discurso da sinagoga de Nazaré, vocês “territorializaram” o discurso de Jesus. A palavra d´Ele se tornou “território”, terra de liberdade e de fraternidade.

A caminhada de 30 anos, para as comunidades de vocês e para nós da CPT, custou suor e sangue. 140 trabalhadores e trabalhadoras tombaram de morte matada, defendendo a terra, a comunidade e a organização. Para nós, eles e elas são os  -mártires da luta pela terra-. Na nossa tradição cristã, eles e elas são -as sementes plantadas-, sementes fecundas que dão frutos de compromisso e militância de novos lutadores e lutadoras por um mundo de justiça. Neste momento, nós da CPT lembramos e rezamos por todos estes mártires.

Lembramos também, com dor, os companheiros agentes de pastoral que perdemos neste período em diferentes tragédias: Jessé (de Garanhuns), Valdecy (de Cajazeiras), Edvaldo (de Afogados de Ingazeiras), Reginaldo (de João Pessoa) e Edivan (de Mossoró). Foram, para nós, perdas dolorosas e irreparáveis. Eles estavam no melhor momento de sua vida familiar, de sua militância e competência no trabalho pastoral. Repouso eterno para eles!

Consideramos como mãe de todos/as que deram sua vida por uma grande causa Margarida Maria Alves, assassinada em 12 de agosto de 1983. Quando a gente dizia para ela: “Margarida você está em perigo, sua vida está por um fio, é melhor sair daqui por um certo tempo...”, ela ficava um breve momento pensativa e depois respondia decidida: “da luta eu não fujo!”.  Anos atrás, no Brejo de Guarabira, dona Maria ficou firme no conflito, enfrentou polícia e capangas; na reunião dissemos para ela que parecia uma outra Margarida.  Foi a resposta de dona Maria: “Padre, hoje somos muitas Margaridas, por isso ela está viva!”.

Agradecemos a Deus também pelas mais de 100 Romarias da Terra que realizamos no Regional Nordeste2 nestes 30 anos. Romarias diferentes: Romaria “na Terra de Zumbi” em Alagoas; Romaria dos “Crucificados da Cana” dos canavieiros de Pernambuco; Romaria da “Terra e da Água” nos sertões da Paraíba e do Rio Grande do Norte. A Romaria da Terra é a cara da CPT, é a expressão melhor da fé do povo que luta e que caminha, pois a terra é feita para caminhar nela.

Colocamos no ofertório que vamos celebrar agora alguns dos compromissos que ontem a CPT NE2 reafirmou para os próximos anos: continuar todo o nosso apoio à luta pela terra e pela Reforma Agrária; investir na capacitação e motivação de jovens do campo, moças e moços que já estudam em diferentes cursos agrários e se sentem apaixonados e apaixonadas pela terra; queremos aprofundar a formação dos/as agentes e dos/as animadores/as das comunidades, especialmente na perspectiva da espiritualidade e da Teologia da Libertação.

Damos graças a Deus por este Encontro de Memória dos 30 anos que realizamos sábado e ontem, no Centremar, e hoje, aqui no Santuário de Deus. Agora sabemos melhor para aonde ir: pois “é sempre melhor saber para aonde ir e não saber como, do que saber como e não saber para aonde ir”.

Meus irmãos e minhas irmãs, a Romaria da Vida continua.

Amém!

Padre Hermínio Canova – Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2

 

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