Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Reunindo cerca de 30 agentes da Pastoral, de todo o país, o Encontro refletiu sobre Estado, família e propriedade, a partir da perspectiva de gênero e do olhar das mulheres.


(fotos e texto: Cristiane Passos - CPT Nacional) 

Nancy Cardoso, agente da CPT e pastora metodista, contribuiu na assessoria da atividade, a partir da análise das três dimensões fundamentais do nosso corpo. São elas o corpo social, aquele que convive e atua junto aos outros corpos, o corpo pessoal, que deve atender e satisfazer as necessidades e vontades do indivíduo, e o corpo do mundo, esse que supre, incessantemente, as necessidades dos corpos sociais e pessoais.

“Como garantir o meu corpo, no corpo social e no corpo do mundo? Uns chamam de ecofeminismo e outros de ecofeminismo socialista. A capacidade de pensar tridimensionalmente. Trazer o mundo para o nosso corpo, isso é a capacidade de viver. Viver é usar os nossos buracos. O nosso corpo não é uma coisa sólida, ele é basicamente buracos e é por eles que a vida passa, entra e sai. Todo nosso corpo é poroso. Viver é isso. O corpo do mundo, a terra, também é um corpo de buracos. Fazemos uma troca, o corpo do mundo com o nosso corpo social. Saciamos nossa fome por exemplo. É no corpo social que os corpos individuais organizam seus corpos, desejos e vontades. Os corpos sociais organizados em corpos coletivos em relação aos corpos do mundo, isso é viver e se organizar em sociedade”, analisou Nancy.

Todos têm suas necessidades, existe um trabalho e uma organização social do trabalho que se dá na organização social do poder, para mediar essas relações. E a maioria das pessoas do mundo não tem acesso ao corpo do mundo. Para a maioria, a relação das pessoas com o corpo do mundo se dá no mercado, através da mediação do dinheiro. É nesse quadro que nós estamos, destacou a pastora. O acesso e a vivência no corpo do mundo se organiza, geralmente, através do desejo, da vontade e da necessidade. “A gente vive desejo e vontade no corpo social também, a gente não se organiza somente pela necessidade. Os buracos também são excessos. Mas até isso o mercado se apropria. Viver é também esse lugar da vontade e do desejo. Uma luta muito funcionalista, somente defendendo o acesso à necessidade, acaba não conversando muito com as pessoas”, pontuou. A religião, também é uma mediação do corpo social. É mais uma das linguagens nessa relação entre corpo social e corpo do mundo.

Família, propriedade privada e Estado

Engels tenta entender a formação do estado moderno a partir da formação da família e da propriedade privada. Não há uma resposta somente biológica, ou somente familiar ou somente religiosa para falar sobre a opressão histórica sobre as mulheres. Até o mundo comunitário, até as sociedades primitivas, as mulheres tinham mais liberdade sexual. O surgimento do Estado e da propriedade privada se dá num momento em que se consolida a opressão das mulheres no seio das famílias. Na passagem da organização primitiva para a tributária que se deu essa pressão sobre a mulher para reproduzir, de tal maneira para servir a essa elite recém constituída, para criar servos para essa estrutura servil. O mito do amor romântico, da mesma forma, surge junto com a burguesia, quando você não tem mais o trabalho do servo.

O capitalismo precisa desse trabalho não pago e explorado das mulheres em casa para fazer o sistema funcionar. Só é possível pagar salário mínimo dentro do capitalismo, porquê tem essa extensão do trabalho doméstico “semiescravo” da mulher, à serviço do lar. Caso isso tudo fosse remunerado, não seria possível. Família hoje é uma célula básica de organização do consumo. Por isso a romantização dessa exploração é um artifício utilizado há séculos como controle dessa estrutura.

Em seu texto “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, Engels destaca “a mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do homem e em mero instrumento de reprodução. Esse rebaixamento da condição da mulher, tal como aparece abertamente sobretudo entre os gregos dos tempos heroicos e mais ainda dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocado, dissimulado e, em alguns lugares, até revestido de formas mais suaves, mas de modo algum eliminado”.

Nancy destaca que não podemos discutir campesinato sem debater a questão de gênero e o patriarcado, pois o próprio acesso à terra se dá a partir da célula familiar. Da mesma forma que não há como discutir a opressão e exploração das mulheres, sem entrar na discussão da economia, como pilar sustentador desse processo.

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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