Perdi um mestre, um mecenas, um protetor e um amigo entranhável. Coisas importantes vão ser ditas e escritas sobre o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, falecido no último dia 14.
Conheci-o no final dos anos 50, em Agudos (SP), quando ele ainda era seminarista. Voltou de Paris com fama de ser doutor pela Sorbonne. No seminário, com cerca de 300 estudantes, introduziu metodologias pedagógicas novas. Depois, vim a conhecê-lo, em Petrópolis, como professor dos padres da Igreja e da história cristã dos dois primeiros séculos.
Foi nosso mestre de estudantes durante todo o tempo da teologia em Petrópolis, de 1961 a 1965. Acompanhava com zelo cada um em suas buscas; o olhar profundo parecia ir ao fundo da alma. Era alguém que sempre procurou a perfeição.
Durante quatro anos, o acompanhei na pastoral da periferia. Nas quintas-feiras à tarde, no sábado à tarde e no domingo todo, acompanhei-o na capela do bairro Itamarati, em Petrópolis. Visitava casa por casa, especialmente as famílias portuguesas que cultivavam flores e hortas. Aonde chegava, logo fundava uma escola.
Era um intelectual refinado, conhecedor profundo da literatura francesa. Escreveu 49 livros. Instigava-nos a seguir o exemplo de Paul Claudel, que costumava, cada dia, escrever pelo menos uma página. Eu segui seu conselho e hoje já passei dos cem livros.
O que sempre me impressionou nele foram seu amor e seu afeto franciscano pelos pobres. Feito bispo auxiliar de São Paulo, ocupou-se logo com as periferias, fomentando as comunidades eclesiais de base e empenhando pessoalmente Paulo Freire. Como era o tempo do regime militar, especialmente dura em São Paulo, logo assumiu a causa dos refugiados vindos do horror das ditaduras da Argentina, do Uruguai e do Chile. Sua missão especial foi visitar as prisões, ver as chagas das torturas, denunciá-las com coragem e defender os direitos humanos violados barbaramente.
Talvez seu feito maior tenha sido o projeto “Brasil: Nunca Mais”, desenvolvido por ele, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright com uma equipe de pesquisadores. Foram sistematizadas informações em mais de 1 milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar. O livro, publicado pela Editora Vozes, teve papel fundamental na identificação e na denúncia dos torturadores do regime militar e acelerou a queda da ditadura.
Eu, pessoalmente, sou-lhe profundamente grato por ter-me acompanhado no processo doutrinário movido contra mim pelo ex-Santo Ofício, em 1982, em Roma, sob a presidência do então cardeal Joseph Ratzinger. No diálogo que se seguiu a meu interrogatório entre os cardeais Ratzinger, Lorscheider e Arns, com minha participação, ele corajosamente deixou claro a Ratzinger: “Esse documento que o senhor publicou há uma semana sobre a Teologia da Libertação não corresponde aos fatos que nós bem conhecemos. Essa teologia é boa para os fiéis e para as comunidades. O senhor assumiu a versão dos inimigos dessa teologia, os militares latino-americanos e os grupos conservadores do episcopado, insatisfeitos com as mudanças na pastoral e nos modos de viver a fé que esse tipo de teologia implica”. E continuou: “Cobro do senhor um novo documento, este positivo, que valide essa forma de fazer teologia a partir do sofrimento dos pobres e em função de sua libertação”. E assim ocorreu três anos depois.
Tudo isso já passou. Fica a memória de um cardeal que sempre esteve do lado dos pobres e que jamais deixou que o grito do oprimido por seus direitos violados ficasse sem ser ouvido. Ele é uma referência perene do bom pastor que dá sua vida pelos pequenos e sofredores deste mundo.
Conheci-o no final dos anos 50, em Agudos (SP), quando ele ainda era seminarista. Voltou de Paris com fama de ser doutor pela Sorbonne. No seminário, com cerca de 300 estudantes, introduziu metodologias pedagógicas novas. Depois, vim a conhecê-lo, em Petrópolis, como professor dos padres da Igreja e da história cristã dos dois primeiros séculos.
Foi nosso mestre de estudantes durante todo o tempo da teologia em Petrópolis, de 1961 a 1965. Acompanhava com zelo cada um em suas buscas; o olhar profundo parecia ir ao fundo da alma. Era alguém que sempre procurou a perfeição.
Durante quatro anos, o acompanhei na pastoral da periferia. Nas quintas-feiras à tarde, no sábado à tarde e no domingo todo, acompanhei-o na capela do bairro Itamarati, em Petrópolis. Visitava casa por casa, especialmente as famílias portuguesas que cultivavam flores e hortas. Aonde chegava, logo fundava uma escola.
Era um intelectual refinado, conhecedor profundo da literatura francesa. Escreveu 49 livros. Instigava-nos a seguir o exemplo de Paul Claudel, que costumava, cada dia, escrever pelo menos uma página. Eu segui seu conselho e hoje já passei dos cem livros.
O que sempre me impressionou nele foram seu amor e seu afeto franciscano pelos pobres. Feito bispo auxiliar de São Paulo, ocupou-se logo com as periferias, fomentando as comunidades eclesiais de base e empenhando pessoalmente Paulo Freire. Como era o tempo do regime militar, especialmente dura em São Paulo, logo assumiu a causa dos refugiados vindos do horror das ditaduras da Argentina, do Uruguai e do Chile. Sua missão especial foi visitar as prisões, ver as chagas das torturas, denunciá-las com coragem e defender os direitos humanos violados barbaramente.
Talvez seu feito maior tenha sido o projeto “Brasil: Nunca Mais”, desenvolvido por ele, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright com uma equipe de pesquisadores. Foram sistematizadas informações em mais de 1 milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar. O livro, publicado pela Editora Vozes, teve papel fundamental na identificação e na denúncia dos torturadores do regime militar e acelerou a queda da ditadura.
Eu, pessoalmente, sou-lhe profundamente grato por ter-me acompanhado no processo doutrinário movido contra mim pelo ex-Santo Ofício, em 1982, em Roma, sob a presidência do então cardeal Joseph Ratzinger. No diálogo que se seguiu a meu interrogatório entre os cardeais Ratzinger, Lorscheider e Arns, com minha participação, ele corajosamente deixou claro a Ratzinger: “Esse documento que o senhor publicou há uma semana sobre a Teologia da Libertação não corresponde aos fatos que nós bem conhecemos. Essa teologia é boa para os fiéis e para as comunidades. O senhor assumiu a versão dos inimigos dessa teologia, os militares latino-americanos e os grupos conservadores do episcopado, insatisfeitos com as mudanças na pastoral e nos modos de viver a fé que esse tipo de teologia implica”. E continuou: “Cobro do senhor um novo documento, este positivo, que valide essa forma de fazer teologia a partir do sofrimento dos pobres e em função de sua libertação”. E assim ocorreu três anos depois.
Tudo isso já passou. Fica a memória de um cardeal que sempre esteve do lado dos pobres e que jamais deixou que o grito do oprimido por seus direitos violados ficasse sem ser ouvido. Ele é uma referência perene do bom pastor que dá sua vida pelos pequenos e sofredores deste mundo.
Leonadro Boff