Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Entre os dias 6 e 9 de setembro, o MST realiza na capital alagoana a 17ª edição da Feira da Reforma Agrária. Por mais um ano os Sem Terra acampados e assentados de todas as regiões de Alagoas levam para Maceió uma variedade de alimentos produzidos livres do uso de agrotóxico, comercializados direto da mão do produtor, por um preço abaixo do mercado convencional.

            Além da comercialização dos alimentos, os Sem Terra devem ocupar a Praça da Faculdade, no bairro do Prado, com uma variedade de artesanato, bolos, doces, atividades culturais e experiências desenvolvidas pelos camponeses no campo da agroecologia.

            Débora Nunes, da coordenação nacional do MST, reforçou a simbologia que a Feira da Reforma Agrária tem para os trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra. De acordo com a coordenadora a “Feira é a expressão daquilo que queremos enquanto projeto de sociedade”.

            Em entrevista, Débora, que também integra o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, destaca os papéis que a Feira cumpre política e socialmente ao longo das suas edições em Maceió, além da necessidade da realização da Reforma Agrária para solução dos problemas de quem vive no campo e na cidade.

 

          Confiram a entrevista completa:

 

Hoje, prestes a completar 17 anos, a Feira já é uma atividade consolidada e esperada todos os anos pelos camponeses e pela sociedade maceioense. Quais foram as necessidades que despertaram a necessidade de se construir a Feira em Maceió uma vez por ano?

Débora Nunes - A principal necessidade política já era de dialogar, diretamente, com a sociedade.  Mesmo que não tivesse uma estratégia política tão clara quanto temos hoje, esse já era o principal motivo que levou o Movimento a vir para Maceió realizar as Feiras da Reforma Agrária, pois a Feira permite ocupar a cidade de uma maneira diferente do que habitualmente fazemos nas marchas, mobilizações e ocupações. Ambas são importantes, inclusive são complementares, pois só é possível realizar as Feiras porque antes tiveram processos organizativos de luta e pressão que vai forçando o Estado e os governos a realizarem a reforma agrária.

E nesse diálogo foi se construindo essa perspectiva da Feira, também como produto a pressão e da luta dos Sem Terra. Ao tempo que se convocava toda a sociedade para compreender a necessidade e importância de realizar-se a reforma agrária no intuito de resolver problemas estruturais que afetam diretamente quem está na cidade, como o inchaço e aumento das favelas decorrente do êxodo rural, desemprego, desigualdades sociais e problemas de infraestrutura geral das cidades. Além do aumento expressivo no número de habitantes das cidades sem habitação, acesso a educação, saúde e outros serviços e politicas públicas.

 

Fala-se da necessidade de uma constância maior das Feiras, pela demanda que existe na cidade de consumo de saúde, mas que só é permitido a partir do subsídio público-estatal, na garantia de estrutura para realização das Feiras. Quais os limites e os entraves para que isso ocorra?

São muitos os limites e entraves, e não falo apenas do período de realização das feiras, pois a Feira é o resultado de diversos processos: a ocupação da terra, a conquista do assentamento, o acesso ao crédito, às condições pra se produzir, as politicas de comercialização, etc.

Quando o Estado brasileiro não cumpre a constituição destinando as terras que não cumprem a função social para a reforma agrária se constitui aí o primeiro entrave de avançarmos nas Feiras, seja em frequência, qualidade ou diversidade de produtos.

As políticas agrícolas também se constituem como um entrave, pelo fato de não garantirem que se estabeleça um processo de transição agroecológica na produção, possibilitando a produção de alimentos saudáveis com créditos específicos. Os limites estruturais, falta mecanização na produção para aumentar a escala, diminuir custos, as estradas dos assentamentos são intransitáveis no inverno, não existem agroindústrias para beneficiamento da produção. Além do crédito ser limitado, burocratizado e vinculado a um pacote tecnológico que reproduz a lógica dominante do agronegócio.

Têm famílias que passam cinco anos, já depois que a área se torna assentamento, para saberem onde serão os lotes. Mais 3 a 5 anos para terem crédito. Então muito do que se faz, produz e chega às Feiras é resultado do compromisso das famílias que vão buscando formas e alternativas para irem tentando organizar a produção.

Bom, essas são algumas das questões antes da realização da Feira, mas na sua realização aparecem outros, por exemplo o transporte, as infraestruturas de barracas, banheiros, palco...

Em Alagoas, o Governo do Estado tem sido o maior apoio que recebemos em termos estruturais no momento da Feira, através de projetos apresentados por entidades parceiras, contudo já ocorreu de passar mais de 6 meses para que fossem pagos os fornecedores.

Outro aspecto importante de ressaltar é no próprio espaço a Praça Afrânio Jorge, a Praça da Faculdade, após 15 anos de realizações das Feiras nenhum gestor municipal se preocupou em viabilizar melhores condições da Praça. E falo de um espaço que deveria estar permanentemente à disposição da sociedade local e que contemplasse as necessidades de realização das Feiras. Pois hoje pensar a revitalização da Praça sem considerar a necessidade de ter um palco fixo, banheiros e das condições gerais para as Feiras é desconsiderar algo que já se tornou patrimônio da sociedade maceioense: as Feiras da Reforma Agrária.

Um fato que chama a atenção de quem passa pela Feira são os preços dos produtos comercializados, com valores abaixo dos mercados convencionais e acessíveis ao público. O que representa essa decisão para a concepção da Feira da Reforma Agrária e do próprio contexto da luta pela terra?

Sim, essa é uma decisão do Movimento e que temos buscado garantir ao longo dos anos, inclusive com uma metodologia de fazer cotação de preços previamente nas feiras locais em vários municípios e nos principais supermercados e feiras livres de Maceió. A partir destas cotações fazemos uma tabela referência para a Feira da Reforma Agrária de maneira que seja acessível a quem vem comprar e que o assentado também não tenha prejuízos.

Fazemos isso porque a Feira não pode ser um espaço de especulação ou de revenda através de atravessadores, com isso estou dizendo que só pode vender mais barato quem produz. A Feira é o espaço de comercialização restrito de quem faz a produção.

Além disso, a nossa compreensão é que toda a sociedade, em especial, as mais pobres tem o direito de alimentar-se bem com produtos saudáveis, livres de agrotóxicos, sem veneno. Mas com alimento caro é praticamente impossível que isso ocorra. Assim, nosso projeto é que com a reforma agrária tenhamos condições de produzir alimentos saudáveis, baratos e acessíveis a todo o povo.

Claro que ter produtos mais baratos está diretamente ligado à superação dos limites e entraves que tratamos anteriormente, com uma política agrária e agrícola de Estado que priorize a agricultura camponesa. Por isso a necessidade de toda a sociedade se somar a luta pela realização da Reforma Agrária.

 

De que maneira a Feira expressa para a sociedade o projeto de Reforma Agrária Popular defendido pelo MST?

A Reforma Agrária Popular se propõe a resolver questões fundamentais dos camponeses, mas também de toda a sociedade, aí está o caráter popular da sua necessidade e construção.

Dentre as questões fundamentais estão as condições necessárias para desenvolver um modelo de produção em equilíbrio com a natureza. A mudança de modelo tecnológico de produção com a agroecologia, produzindo em escala e qualidade o alimento que chegará nas cidades, a agroindustrialização do campo, garantia de educação em todos os níveis, garantir as diversas dimensões da vida humana, a cultura, o lazer, a saúde, dos sujeitos camponeses.

O desafio de construí-la vem também para a Feira, quando trazemos as diversas dimensões do que é a vida no campo, mesmo que ainda tenha muitos desafios a serem superados, para que as pessoas tenham a possibilidade de refazer a leitura que os grandes meios de comunicação fazem.

Tudo que construímos na Feira é a expressão daquilo que queremos enquanto projeto de sociedade. E não é tarefa pequena e nem apenas dos Sem Terra. Todos estão convidados a serem construtores deste projeto.

 

 

Fonte: MST Alagoas

 

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