Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Nós, Relatores e Relatoras em Direitos Humanos da Plataforma Dhesca, manifestamos nossa solidariedade a todos os povos indígenas do Brasil, em especial nos congratulamos e apoiamos a Mobilização Nacional Indígena, realizada em várias em todo o país nos dias 30 de setembro a 5 de outubro de 2013. 
Testemunhamos as graves situações por que passam esses povos, cuja história tem sido marcada por profundos prejuízos materiais e imateriais, como a perda do território e dizimação da cultura e outras diferentes formas de violência, desamparo e abandono institucional.



 As conquistas indígenas se deram no marco dos avanços democráticos da sociedade brasileira que estabeleceu na sua institucionalização o desafio de enfrentar os prejuízos que os povos originários experimentam ao longo de toda história do Brasil. Mas a despeito dos avanços na Constituição Federal de 1988, as desigualdades sociais, culturais e políticas que desprivilegiam historicamente os povos indígenas têm sido agravadas com as pressões econômicas sobre seus territórios, apoiadas, incentivadas e viabilizadas pelo Estado.

Tais pressões se concretizam sob a ordem racista e etnocentrista ainda presente na política, cultura e economia brasileiras, e que atualmente se materializa nas constantes perdas e riscos sobre as conquistas democráticas; no recrudescimento da violência física, psicológica e simbólica com manifestação de ódio contra os povos indígenas e negação do seu direito de existir na diversidade e pluralidade cultural.

Como Relatores e Relatoras de direitos humanos no Brasil, observamos que os povos indígenas estão entre as populações cujos direitos são mais cotidianamente violados em nome do progresso e do desenvolvimento. Citamos como exemplo os sofrimentos dos povos afetados pelas hidrelétricas no estado do Pará e pela transposição do Rio São Francisco na Região Nordeste. Nos anos 2012-2013 testemunhamos os sofrimentos dos povos Marãiwatsédé, no Mato Grosso, e Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul; os impactos sociais e ambientais da cadeia da mineração sobre os indígenas no Pará e Maranhão, em especial os Xikrin, Gavião e Awá-Guajá; e violações decorrentes da paralisação no processo de demarcação da terra Jaminawa de São Paulino, no Acre.

A garantia dos direitos territoriais dos indígenas é compromisso assumido pelo Estado Brasileiro, especialmente através do art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que estabeleceu que em cinco anos a União demarcaria todos os territórios indígenas. Mas, após 25 anos, não se obteve avanços significativos e, pelo contrário tais determinações estão cada vez mais ameaçadas. Para se ter uma idéia da morosidade do Estado, somente na região que compreende o estado do Acre, o Noroeste do estado de Rondônia e a chamada Boca do Acre, Amazonas, das 32 terras indígenas demarcadas apenas quatro foram homologadas e 21 ainda aguardam demarcação e regularização, incluindo as de povos isolados.

Além das dificuldades e insuficiência do Governo de efetivar os direitos conquistados, presenciamos as investidas institucionais contra tais direitos. Dentre as iniciativas no Legislativo que prejudicam os povos indígenas está o Projeto de Lei Complementar 227 de 2012 que, dentre outras, institui a exploração de jazidas minerais, assim como o uso e ocupação de terras públicas destinadas à construção de oleodutos, gasodutos, estradas, rodoviárias e ferrovias, portos fluviais e marítimos, aeroportos e linhas de transmissão, como interesse público da União, que se sobrepõe aos direitos territoriais dos povos indígenas.

A flexibilização da mineração em terras indígenas também vem sendo discutida em Comissão Especial através do Projeto de Lei 1610-1996 do Senado Federal que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176, parágrafo primeiro, e 231, parágrafo terceiro, da Constituição Federal.

Dentre os mais graves ataques aos direitos indígenas está a PEC 215 que transfere para o Legislativo a prerrogativa de demarcação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. Também figuram como perdas e riscos a reforma do marco regulatório da mineração que, proposto pelo Ministério de Minas e Energia, vem sendo realizado à revelia das populações afetadas por essa atividade; a Portaria 303 da Advocacia Geral da União que, de forma arbitrária, generaliza a situação e retrocede nos direitos dos povos com base na decisão do STF sobre o caso Raposa Serra do Sol em Roraima; e o sucateamento da FUNAI e das políticas públicas voltadas para os povos indígenas, assim como o uso das forças repressivas do Estado contra os povos nos conflitos sociais, territoriais e ambientais provocados por setores econômicos que demandam os territórios ancestrais indígenas.

Os constantes prejuízos e retrocessos nos direitos têm gerado uma perversa “modernização” do genocídio histórico contra povos indígenas. Tal processo é um dos mais constrangedores problemas para a democracia brasileira, devendo ser encarado como desafio ético e político de toda a sociedade, e preocupação central do Estado, responsável que é por garantir a efetivação dos direitos humanos de todas as pessoas e grupos sociais. No esforço de construir uma cultura dos direitos humanos, não se pode aceitar ou naturalizar que o desenvolvimento do país tenha como preço o sacrifício dos povos indígenas ou de quaisquer outras populações.

É
 esse contexto que leva os povos indígenas a instituírem “resistência comunal”, como as retomadas e os acampamentos. Tais movimentos tensionam a democracia-liberal, denunciam seus limites, injustiças e desigualdades e suas consequentes violências, e prestam um enorme serviço a sociedade e ao Estado brasileiros. Por isso reconhecemos e legitimamos a importância da luta e resistência diária desses povos para a efetivação da cultura de direitos humanos no país.

Por fim, recomendamos ao Estado e às autoridades que, no exercício de suas funções públicas, aproveitem as possibilidades geradas pelas lutas e conhecimentos indígenas, para de fato efetivar as conquistas democráticas, proteger e garantir aos indígenas e à sociedade brasileira o direito à diversidade cultural e à vida digna. Somente desse modo, se torna de fato viável desenvolver o país, com igualdade real para o exercício da liberdade e soberania de suas populações.

Cristiane Faustino da Silva
Relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente

Sérgio Sauer
Relator do Direito Humano à Terra, ao Território e à Alimentação

Leandro Gorsdorf
Relator do Direito Humano à Cidade

Rosana Heringer
Relatora do Direito Humano à Educação

Beatriz Galli
Relatora do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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