Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O Comércio internacional de açúcar e as grandes empresas multinacionais, como a Coca Cola e Pepsi, têm incentivado em países como o Brasil, compras e expropriações de terras que contribuem para o acirramento de conflitos agrários que dizimam comunidades tradicionais. O alerta foi feito nesta semana, pela organização internacional OXFAM, que atua em aproximadamente 100 países no mundo, incluindo o Brasil.

 

 

De acordo a Organização, muitas das terras adquiridas para a produção de açúcar na última década “estão relacionadas a violações dos direitos humanos, perda dos meios de subsistência e fome para os pequenos produtores e suas famílias”. A constatação está presente em um estudo desenvolvido pela OXFAM, intitulado “A Febre do açúcar”, realizado após 18 meses de trabalho investigativo sobre a relação entre as multinacionais e empresas que fornecem matérias primas.


O Brasil, o maior produtor de açúcar no mundo, aparece no relatório com dois exemplos emblemáticos de violações de direitos promovidas pelo setor do agronegócio que fornece matéria prima para grandes multinacionais.  Os casos relatados no documento são: o conflito na comunidade indígena guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul; e em Pernambuco, o caso do conflito territorial nas Ilhas de Sirinhaém, área de manguezal pertencente à União, localizada na zona da mata sul do Estado, onde vivia uma comunidade de pescadores tradicionais, formada por 53 famílias, que foi expulsa do local “após décadas de pressão intermitente da Usina Trapiche, uma empresa que fornece açúcar à Coca-Cola e à PepsiCola", ressalta o relatório. Para a elaboração do estudo, integrante da OFXAM estiveram presentes em Pernambuco e realizaram pesquisas, visitas à area em questão, entrevistas com ex moradores das Ilhas, pescadores, com a Comissão Pastoral da Terra, além de estabelecerem contato com representantes da própria Usina denunciada.

 

Em jogo: disputa pelo domínio sob as terras da União - De acordo com o registro oral das famílias, desde 1914 a comunidade pesqueira ocupava as ilhas de Sirinhaém, mas nos últimos 25 anos, estes pescadores passaram a enfrentar um conflito e disputa territorial com o monocultivo da cana-de-açúcar na região. Foi a partir de 1998, com a compra da Usina pelo empresário Luiz Antônio de Andrade Bezerra, que a situação se agravou. A partir daí, a empresa sucroalcooleira intensificou a violência para a expulsão das famílias que residiam no local. Através de ações violentas, perseguições e ameaças e queima de casas, a Usina Trapiche expulsou, uma a uma, as famílias que viviam nas ilhas. Em 2010, a Usina por decisão judicial conseguiu retirar das ilhas as duas ultimas moradoras, remanescentes da comunidade, que ainda viviam e resistiam nas ilhas. As terras são área de marinha, portanto pertencem à União, mas é aforada à Usina Trapiche. Para conhecer mais sobre o conflito nas ilhas de Sirinhaém, clique aqui.

 

A luta pelo controle das terras da União nas Ilhas de Sirinhaém é pedra angular do conflito. O ICMBio já manifestou publicamente o interesse em criar a Reserva Extrativista na área, como forma de proteger o meio ambiente e de garantir que as famílias expulsas pela Usina Trapiche pudessem ser realocadas na área. Inclusive, todos os estudos e processos administrativos necessários para a criação da Reserva já foram concluídos. O pedido de criação da Resex vem desde 2006, quando as famílias que moraram nas Ilhas - com o apoio da população local, da Colônia e da Associação de pescadores e de diversas organizações ambientalistas e de direitos humanos, como a Comissão Pastoral da Terra - solicitaram a criação da Resex ao Instituto Chico Mendes e também ao Ibama. A criação da Reserva representará o fim do domínio da Usina Trapiche sob as ilhas de Sirinhaém. Entretanto, o processo de criação da Resex encontra-se paralisado desde 2009 por falta de interesse político e indefinições entre o Governo Federal e Estadual.

Crimes ambientais - O documento da OXFAM também cita, além do conflito territorial, a situação de crimes ambientais atribuídos à Usina Trapiche. Ao ser consultada pela Organização internacional, a Usina Trapiche negou o envolvimento com situações de violações e crimes ambientais. Entretanto, o volume de processos e denúncias que recaem sobre a Usina Trapiche  não é pequeno. Das anuais denúncias enviadas aos Órgãos governamentais, pela Associação e Colônia de pescadores e pela Comissão Pastoral da Terra, algumas resultaram em multas efetivas para a Usina. Uma delas aconteceu  em 2008, quando o Ministério do Meio Ambiente autuou todas as 24 usinas de cana-de-açúcar de Pernambuco existentes na época, entre elas, a Usina Trapiche, por serem infratoras da legislação ambiental e responsáveis pela destruição da cobertura vegetal nativa, especialmente de Mata Atlântica, e contaminação dos cursos de água. A fiscalização do Ibama constatou que as usinas pernambucanas não respeitam as reservas legais (de 20% das propriedades, no Nordeste) e estendem as plantações às áreas de preservação permanente (APPs), especialmente às margens dos rios. As usinas foram multadas em R$ 120 milhões, sendo R$ 5 milhões para cada. Em 2009, a Usina Trapiche foi novamente autuada, o IBAMA identificou no Rio Sirinhaém e seus afluentes, dejetos orgânicos, fruto da lavagem industrial da cana de açúcar que estavam sendo despejados pela Usina Trapiche. Esse material, segundo o IBAMA, é considerado de alto valor poluente, e que foi a causa do morticínio dos peixes e da poluição dos rios da região. Com isso, a Usina Trapiche foi multada em R$ 1 milhão de reais, pelo crime que se enquadra no artigo 54 da legislação ambiental. Outra denúncia que resultou em uma multa milionária para a Usina foi o caso que gerou a conhecida operação engenho verde, que multou todas as usinas de cana de açúcar de Pernambuco por cometer crime ambiental. Em abril de 2011, Tratores da Usina Trapiche foram flagrados abrindo uma estrada clandestina em Sirinhaém. Tal ato provocou destruição e desmatamento da vegetação nativa. A via, com cerca de um quilômetro, é paralela ao Riacho Sibiró, e corta área de Mata Atlântica e de mangue.

Panorama da produção de açúcar no Brasil - Desde o início do ano 2000, o Brasil vem crescendo na produção de açúcar. De acordo com a Datagro, de 2000 a 2012, o Brasil cresceu 64% na produção de açúcar, enquanto que o mundo caiu 5,8%. Em 2012, foram produzidas 176 milhões de toneladas de açúcar, com a metade sendo destinada à indústria de comidas e bebidas. Em agosto de 2013, as exportações atingiram US$ 10,17 bilhões, o equivalente a 47,4% do total exportado pelo Brasil no mês, conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). De acordo com setores da indústria, tem sido mais interessante investir na produção de açúcar do que em etanol, por falta de incentivos do governo para a produção do agrocombustivel.No total, de acordo com a OXFAM, o comércio mundial de açúcar movimenta US$ 47 bilhões. No ano passado, foram produzidas 176 milhões de toneladas da matéria-prima.

Cenário internacional - "As grandes empresas de alimentos e bebidas raramente possuem terras, mas dependem da terra para obter as matérias-primas de que necessitam, entre elas o açúcar", diz a ONG. O relatório da OXFAM cita também conflitos de terras no Camboja e "compras de terra em grande escala" em países como Moçambique, Sudão e Zâmbia, que podem gerar problemas semelhantes aos que foram relatados no Brasil.


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