Ao final do encontro, as participantes enviaram carta à presidente Dilma, onde repudiam a escolha do governo em relação às grandes obras
Entre os dias 27 e 30 de março, mulheres indígenas de 36 povos dos estados da Bahia, Ceará, Alagoas, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte estiveram reunidas para participar da 2ª Assembleia das Mulheres Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. O encontro foi realizado na aldeia Rodelas, do Povo Tuxá, na Bahia, sob o tema “Fortalecer os saberes das mulheres indígenas para garantir participação política nos espaços de decisões”.
Durante os quatro dias de assembleia, as participantes debateram sobre os seguintes temas: participação política das mulheres indígenas; políticas públicas, grandes empreendimentos de impactos às terras indígenas; reestruturação da FUNAI; transição da saúde indígena para a Secretaria Especial de Saúde Indígena; desenvolvimento sustentável e ATER Indígena; regularização dos territórios indígenas; equidade de gênero e Lei Maria da Penha.
No documento final do encontro, as mulheres registram que os povos indígenas continuam enfrentando graves problemas. Entre eles a paralisação dos processos de regularização de suas terras tradicionais; ausência de políticas públicas direcionadas às mulheres indígenas, especialmente no caso da saúde; ausência de esclarecimento quanto à reestruturação da Funai e a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); impactos das grandes obras, como a transposição do rio São Francisco e a construção de hidrelétricas, como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, entre outras.
Ao final do encontro, as participantes também emitiram carta à presente Dilma Rousseff, onde manifestam repúdio pelas escolhas feitas pelo governo brasileiro em relação às grandes obras que afetam povos indígenas e comunidades tradicionais. Entre as obras do PAC relatadas pelas participantes está a hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser construída no rio Xingu, Pará, e a transposição das águas do rio São Francisco, no nordeste.
Confira carta na íntegra:
A excelentíssima Presidenta da República Dilma Roussef,
Nós, mulheres indígenas representantes de 36 povos dos Estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande de Norte, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Piauí, Minas Gerais e Espirito Santo, nos reunimos na aldeia Tuxá de Rodelas (BA)de 27 à 30 de março 2011, por ocasião da II Assembléia das Mulheres Guerreiras Indígenas da APOINME, para discutir temáticas que afetam nossas vidas, nossas comunidades e nossos territórios sagrados.
Discutimos nesses dias as várias formas de agressão a nossos territórios indígenas como a Transposição do Rio São Francisco, a ferrovia Transnordestina, as barragens de Pedra Branca e Riacho Seco, a usina nuclear de Itacuruba e outras grandes obras do PAC.
Manifestamos nossa profunda preocupação relacionada com o desrespeito sistemático dos nossos direitos territoriais reconhecidos tanto pela Carta Magna desse país como em tratados e convenções internacionais.
Denunciamos os sucessivos desrespeitos aos nossos direitos e discordamos desse modelo do “desenvolvimento a qualquer custo”, que coloca o lucro acima de tudo e de nossas próprias vidas e da vida de nossa mãe natureza. O planeta inteiro já está sofrendo as conseqüências da exploração intensiva e desmedida dos recursos naturais. Por isso, assistimos a catástrofes mundiais, muito nos assusta a recente tragédia nuclear vivida pelos japoneses e por isso não vamos aceitar uma usina nuclear em Itacuruba impactando nossos territórios e nosso velho Chico. Persistimos na defesa das alternativas de convivência com o Semi-árido e da produção energética alternativa.
Além disso, já estamos sofrendo com as conseqüências das obras da transposição e da transnordestina em nossas cidades e comunidades, que tem graves impactos sociais como a prostituição, inclusive infantil, a introdução do crack no sertão, a desestruturação da cadeia produtiva na agricultura, entre outros, sem contar com a invasão dos territórios indígenas e a agressão ao rio São Francisco.
Estamos cientes que a demora na demarcação dos territórios indígenas abre brechas para a implementação das grandes obras de grave impacto sócio-ambiental, desconsiderando nossos direitos territoriais.
Portanto exigimos a demarcação imediata de nossos territórios e o respeito dos direitos de viver livremente e segundo nossos usos, costumes e tradições.
Condenamos qualquer grande obra e empreendimento governamental que fere nossa mãe terra e prejudica nossas formas de vida nos aspectos econômicos, ambientais, culturais, sociais e espirituais.
As mulheres indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo estão unidas na defesa de nossa mãe terra e de nossos direitos indígenas, porque o que afeta um dos povos afeta todos nós e o Brasil inteiro, e por isso sempre lutaremos.
Cleymenne Cerqueira
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