Famílias de posseiros que vivem há mais de 20 anos na região do complexo Suape, Pernambuco, estão tendo suas plantações destruídas pela empresa Itapoama Mineração . As terras ficam próximas ao Centro Administrativo de Suape e ao canteiro de obras da refinaria Abreu e Lima, uma das regiões mais cobiçadas e mais caras dentro do complexo.
Matéria Publicada no jornal do Commercio
Duas vezes por semana, o agricultor José Minervino levava a produção do seu sítio no Engenho Massangana, em Ipojuca, para vender no Mercadão do Cabo de Santo Agostinho. Em dezembro do ano passado, ele viu sua fonte de renda deixar de existir. A Itapoama Mineração, que comprou ao Complexo de Suape 60 hectares de terra onde Seu Minervino é posseiro, destruiu a plantação do agricultor sem pagar indenização. A história dele é um recorte da guerra fundiária travada hoje em Suape. É o lado obscuro do crescimento econômico, que não figura nos balanços positivos apresentados pelo governo de Pernambuco, quando divulga o complexo como o maior polo de atração de investimentos do País.
Trinta famílias de posseiros residem, há mais de 20 anos, nessa região conhecida como Córrego do Urubu, localizada nos limites dos engenhos Massangana e Penderama, em Ipojuca. Os agricultores comprovam que são habitantes antigos da área, por meio da identificação de sócios da associação de moradores local e de uma carteira fornecida pelo Porto de Suape, quando fez o cadastro imobiliário das famílias durante a elaboração do plano diretor.
“A diretoria de Suape vendeu as terras à empresa (Itapoama Mineração) sem realizar a desapropriação da área. Em agosto do ano passado, os posseiros foram convidados a fazer a contagem das árvores existentes nos sítios para calcular os valores das indenizações. O levantamento foi realizado pela Fetape (Federação dos Agricultores dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), apontando para um valor de R$ 3,3 milhões para as benfeitorias dos 30 sítios. Mas, apesar dos laudos, a empresa ofereceu um valor infinitamente inferior aos proprietários (R$ 250 mil)”, conta o advogado dos posseiros, Nelson Brandão. As terras ficam próximas ao Centro Administrativo de Suape e ao canteiro de obras da refinaria, uma das regiões mais cobiçadas e mais caras dentro do complexo.
“Como nós não aceitamos os valores oferecidos por eles, a empresa começou a nos ameaçar, dizendo que iam derrubar as nossas fruteiras de qualquer jeito. Chegaram a dizer que ‘ninguém ia ser doido de ficar na frente das máquinas’ e saíram acabando com o que era nosso”, conta Francisco Matias. O agricultor vendia, num carro de mão, a macaxeira produzida no seu 1,5 hectare de terra no sítio.
Diante da atitude arbitrária, os posseiros decidiram ingressar com uma ação de manutenção de posse na Justiça. “Mas a juíza Andrea Calado Venâncio (da Vara da Fazenda Pública e Marítima de Ipojuca) não se convenceu de que existiam provas suficientes de que os agricultores são posseiros das terras e decidiu marcar uma audiência de justificação para o próximo dia 8 de fevereiro”, lamenta Brandão, afirmando que vai ingressar, hoje, com um agravo de instrumento no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), pedindo a revogação da decisão da juíza.
Ontem, a reportagem do JC flagrou a movimentação de trabalhadores da mineradora na área. Quando perceberam a presença da imprensa, os operários desligaram e esconderam as motosserras. Mas as toras das árvores estavam no local. Quatro caminhões e um trator, com logomarcas do Consórcio Ipojuca Interligações e da Queiroz Galvão, faziam trabalho de terraplenagem na área. Os funcionários não souberam informar o que será construído no local. Apesar de trabalhar para as empreiteiras cumprindo ordens, alguns confidenciaram que também são moradores de sítios dentro do território de Suape e que estão enfrentando a mesma situação dos posseiros.
Por meio de sua assessoria de comunicação, a diretoria do Porto de Suape informou que a desapropriação da área não estava sendo realizada pela estatal. A questão fundiária em Suape vem sendo discutida desde a primeira gestão do governador Eduardo Campos, mas os cerca de 25 mil posseiros aguardam pela construção de 2 mil casas prometidas pelo Estado dentro do programa Minha casa, minha vida e pela consolidação de algumas vilas de moradores, onde os posseiros receberiam títulos de posse das terras. “A promessa que recebemos do governador foi que desocuparíamos as áreas, recebendo uma indenização digna e não esmola como vem acontecendo”, afirma José Farias da Silva, um dos líderes comunitários de Massangana.
Negociação é difícil, diz advogado
O advogado dos posseiros, Nelson Brandão, afirma que uma das maiores dificuldades no processo é fazer a interlocução com a Itapoama Mineração. “Ninguém sabe ao certo quem são os sócios da empresa. Os interlocutores da companhia marcaram uma reunião com os agricultores na última segunda-feira e, quando eu entrei, eles se retiraram e não quiseram conversar”, conta o advogado.
Ontem, o JC só conseguiu conversar com o engenheiro Marcone Vidal, que se disse responsável por tentar negociar os valores das indenizações com os posseiros. “A empresa é um consórcio. São vários sócios, mas não estou autorizado a dizer quem são, nem a passar os contatos”, disse. Confirmou apenas que um deles seria Amadeu Romaguera Neto. “Nós queremos pagar as indenizações, eles (os posseiros) que não querem receber. Eu ia resolver, mas como eles colocaram advogado, vou ficar de fora. Eles querem receber mais de R$ 2 milhões por uns pés de manga e nós estávamos dispostos a pagar até R$ 500 mil nas benfeitorias dos 30 sítios”, diz, aborrecido. Questionado sobre a tabela da Fetape, ele afirmou que não estava se baseando por ela e que fez a contagem das fruteiras “no olho”.
O engenheiro disse que a empresa quer terraplenar a área, mas ainda não tem uma definição do que fará com ela. “A ideia é deixar o terreno pronto para o futuro. Quem sabe para uma ampliação da própria refinaria, que fica aqui do lado”, sugeriu. Na região, o comentário é que o aterro seria usado como “depósito” das empreiteiras que atuam em Suape. Uma nascente de rio passa pelo local.
Além da questão social, os posseiros também alertam para o desmatamento na área. A Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente do Ibama (Cipoma) chegou a visitar o local e atestar o desmatamento. O documento foi encaminhado à CPRH, mas a agência havia autorizado a retirada de espécies florestais exóticas e fruteiras. A CPRH afirma que a exploração é permitida porque não está caracterizada como área de preservação permanente e que se limita a espécies exóticas. Procurada pela reportagem, a CPRH afirmou, por meio de sua assessoria de comunicação, que vai enviar, hoje, uma equipe para fiscalizar a área. Os posseiros alegam que o desmatamento foi maior que o autorizado pela agência.
Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco - 13-01-2011
Adriana Guarda