Na Folha de S.Paulo
5 de junho
A pretendida reforma deveria remover o estrangulamento para a expansão de terras agrícolas, hoje supostamente bloqueada pela combinação de áreas de preservação permanente (APP) e reservas legais (RL). Só que esse bloqueio não existe.
A suposta escassez de terras agricultáveis não resiste a estudo mais criterioso, como o recentemente coordenado pelo professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura da USP (Esalq).
Realocando para cultivo agrícola terras com melhor aptidão, hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade, e aumentando a eficiência da pecuária nas demais, por meio de técnicas já bem conhecidas, a área cultivada no Brasil poderá ser quase dobrada, sem avançar um hectare sequer sobre a vegetação natural.
A reforma também pretende retirar da ilegalidade muitas propriedades que não mantêm as APP e RL estipuladas. Para isso, pensa-se em fundir as APP com as RL e flexibilizar o uso destas últimas.
No entanto, as APP e as RL são áreas que exercem papel complementar na conservação das paisagens rurais e não deveriam ser tratadas como equivalentes. Ademais, o uso de RL com espécies exóticas representa uma completa descaracterização dessas áreas.
Sob a desculpa de proteger as pequenas propriedades, as APP e RL serão colapsadas, reduzidas e drasticamente transformadas, levando a amplos desmatamentos e perda de áreas protegidas, que não se destinam apenas a conservar espécies e a promover o uso sustentável de recursos naturais.
Elas asseguram uma gama de serviços ambientais indispensáveis à qualidade de vida humana e à própria qualidade e produtividade agrícola. Da proteção dessas áreas dependem a regulação de cursos de água, o controle da erosão, a polinização de diversas plantas cultivadas, o controle de pragas, o sequestro do carbono atmosférico e muitos serviços mais.
Qual a participação da comunidade científica competente na formulação dessas alterações? Quase nula. Há muitos grupos científicos pesquisando ativamente a conservação e restauração da biodiversidade e o desenvolvimento de metodologias que permitam a produção agrícola com a efetiva preservação do ambiente.
Nem os pesquisadores mais reconhecidos dessas áreas nem as sociedades científicas relevantes foram ouvidos. Os parlamentares decidiram quem são os cientistas que merecem atenção e desqualificaram ou ignoraram todos os demais.
Passado quase meio século de intensas transformações, é necessário atualizar o CFB, facilitar a produção agrícola em pequenas propriedades, mas sem deixar de fortalecê-lo nos objetivos essenciais.
Se esses objetivos forem soterrados, haverá sérias consequências para o próprio agronegócio, porque não apenas se comprometerá os serviços ambientais, mas o mero cumprimento formal de legislação ambiental inócua não irá assegurar certificação ambiental respeitada.
E quem duvida de que tal certificação será cada vez mais exigida para comercializar qualquer commodity brasileira?
É hora de os agroparlamentares e demais envolvidos compreenderem que as demandas ambientais representam componentes indispensáveis da boa agricultura, bem como da melhor qualidade de vida.
Thomas Lewinsohn, professor titular da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação;
Jean Paul Metzger, professor da USP, onde coordena o Laboratório de Ecologia de Paisagens;
Carlos Joly, professor titular da Unicamp e coordenador do Programa Biota-Fapesp;
Ricardo Rodrigues, professor titular da Esalq-USP, onde coordena o Laboratório de Restauração.