Em 2009, segundo dados oficiais obtidos pela Folha, 55.498 famílias foram assentadas em todo o país (a meta do governo era de 75 mil).
Em sete anos de gestão, a promessa anual de famílias beneficiadas foi cumprida uma única vez (em 2005) e o número de famílias à espera de um lote se manteve estagnado em cerca de 200 mil.
A insatisfação dos sem-terra com a atual política de reforma agrária não se dá apenas pelo número de assentados, mas também pelo modelo adotado.
Governo não cumpre meta de assentamentos em 2009
Objetivo inicial era assentar 75 mil famílias, mas só 55,5 mil foram beneficiadas
MST critica a política de concentração da reforma agrária na região amazônica, distante de suas bases e com problemas de infraestrutura
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma das críticas está na priorização de assentamentos na região amazônica, onde as terras são mais baratas, mas, por outro lado, longe das bases acampadas do MST e com problemas graves de infraestrutura básica (como água, energia elétrica, estradas).
Das 574,6 mil famílias que o governo diz ter assentado entre 2003 e 2009, 387,5 mil (67%) estão na Amazônia Legal (Estados do Norte, Mato Grosso e Maranhão). No ano passado, das 55,4 mil assentadas, 32,8 mil foram encaixadas em lotes nesses nove Estados -59%.
Outra crítica dos sem-terra ao atual modelo de reforma agrária está no instrumento utilizado na obtenção de terras. O MST defende a obtenção por meio da desapropriação, ou seja, quando uma fazenda improdutiva dá lugar a um novo projeto de assentamento.
Em 2009, a meta inicial era beneficiar 100 mil famílias, mas, para ficar mais próximo de sua capacidade financeira e operacional, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra, ao qual é vinculado, decidiram reduzi-la para 75 mil -mesmo assim, sem sucesso.
Em 2010 a redução deve ser ainda maior, já que superintendentes regionais do Incra defendem 35 mil famílias.
Segundo o instituto, o contingenciamento de recursos para a obtenção de terra e a paralisia de processos no Judiciário impediram o cumprimento da promessa em 2009.
O fracasso na política de reforma agrária ocorre no momento em que PT e Planalto tentam aproximar a ministra Dilma Rousseff, pré-candidata petista, ao movimento sem-terra. Ao longo do governo, eles pouco conversaram.
Para o MST, a política de criação de assentamentos foi "abandonada". "Não fomos atendidos pelo governo, com a recomposição do orçamento do Incra, maior investimento em desapropriação e a atualização dos índices de produtividade", afirmou o movimento, em nota à reportagem.
Sobre os assentamentos de famílias na região amazônica, o MST diz: "A criação de assentamentos do governo tem caráter de política assistencial, sem mudar a estrutura fundiária".
Para a presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), os últimos governos têm atuado no limite para atender à demanda dos sem-terra. "Dinheiro no Brasil falta para tudo. A questão da não reforma agrária no nível exigido por alguns não é por má vontade dos governos", disse, em discurso na entidade.
outro lado
Para Incra, falta de verba pesou no resultado
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Rolf Hackbart, presidente nacional do Incra, aponta dois fatores que, de acordo com ele, justificam o não cumprimento da meta de assentamentos no ano passado: a falta de recursos e os processos parados na Justiça.
"Tínhamos na lei [orçamentária] R$ 950 milhões [para obtenção de terra], e só recebemos R$ 720 milhões", afirmou Hackbart, em uma referência aos bloqueios realizados pela equipe econômica.
"Havia promessa. Enviamos [um pedido] ao Tesouro, mas voltou", disse o presidente do Incra.
A respeito das áreas paradas na Justiça, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária diz: "Estão parados nas diversas instâncias do Judiciário cerca de 220 processos. Nessas áreas daria para assentar 11 mil famílias".
Hackbart inclui na lista de justificativas a não atualização dos índices de produtividade utilizados para avaliar se uma área é ou não passível de desapropriação para fins de reforma agrária.
Para 2010, o Incra tem um orçamento de R$ 480 milhões para obtenção de terras, ante R$ 950 milhões do ano passado.
ASSENTAMENTO: AÇÃO NO NORTE AMPLIA RISCO DE DESMATAMENTO
Para o sociólogo Zander Navarro, ao privilegiar a criação de projetos de assentamento no Norte do país, o governo federal amplia o risco de impactos ambientais na região. "Sem estrada para escoar a sua produção, por exemplo, o assentado chega num lote, desmata, vende a madeira e se manda", afirma Navarro, professor UFRGS e assessor do Ministério da Agricultura.