ARTIGO
A nossa tão elogiada e prestigiada produção rural está vivendo esta semana, na Expointer, alguns questionamentos sérios. Em meio a desfiles de animais, estandes de máquinas e implementos agrícolas,negócios milionários de compra e venda, que a feira sempre noticia como prova da pujança dessa produção, alguns cochichos sobre economia e política perturbam o ambiente.
Antônio Cechin e Jacques Távora Alfonsin * 5/9/2009
O assassinato recente de um sem-terra, por si só um sinal eloqüente de que a tal “produtividade” está longe de aceitar a justiça primária da melhor distribuição da terra e dos seus frutos, franqueando comida farta para todas/os e não só para alguns/as, além da gripe suína impondo censura prévia a todo o tipo de descuido que possa afugentar as/os visitantes, assombram o evento.
O que está chamando mais a atenção, todavia, mesmo que isso não se justifique diante daqueles males, são os famosos índices de produtividade. Como o grau de utilização da terra (G.U.T.) e o grau de eficiência na exploração dela (G.E.E.), servem de base para fundamentar as decisões administrativas e, ou, judiciais, sobre a legalidade de se desapropriar os latifundios do nosso país, conferindo se eles estão, ou não, cumprindo a sua função social, os proprietários dessas terras e as suas entidades representativas estão indignados/as, com a perspectiva de sua revisão.
Acostumados a nada temer, por seu poder histórico de domínio sobre as instituições brasileiras, manipuladas desde o Brasil colônia e escravocrata, sua preocupação é visível. Aí, a propaganda sobre a excelência da produtividade que afirmam existir no modo como semeiam, plantam, criam, envenenam, poluem, vendem, exportam, (quase sempre sustentada por empréstimos bancários públicos, cujo pagamento ou é perpetuamente prorrogado ou até anistiado), se desvia para um alarido queixoso de alto volume. Ocupa todo o espaço, tempo e veículos de informação, a respeito, que não deixem fresta alguma para contestação. Até o clima, ora pelas secas, ora pelas enchentes, é invocado como demonstrativo de que os tais graus de medida da produtividade devem ser esquecidos de vez e o Incra extinto, como a governadora fez com o gabinete de reforma agrária.
Aqueles chamados fatos notórios, que independem de prova, como o extraordinário progresso que a tecnologia moderna levou para o meio rural, no sentido de aprimorar e aumentar a produção da terra, desaparecem do ufanismo que alardeia tal produtividade.
Se a história dos êxodos, da pobreza e da miséria que tudo isso acarretou para o povo trabalhador e pobre, também escondida convenientemente, continuar denunciando os péssimos efeitos sociais que essa conjuntura cria, planta e colhe, sempre antiga e sempre moderna, pior para a história. Nessa hora, vale sustentar a urgência, a conveniência e a oportunidade de não se mexer em nada, tratando qualquer palavra contrária como pura ideologia, responsabilizando o governo, o MST e toda a população sem acesso digno à comida, como responsáveis por ousarem rever índices defasados em décadas. É o que está fazendo, por paradoxal que pareça, o próprio ministro da agricultura.
A barragem desse tipo de raciocínio é dotada de um tal poder econômico, político e jurídico, que tem sido capaz de represar toda a pressão social que tente questionar o fato. Uma pergunta, mesmo assim, insiste em reacender o debate sobre essa relevante questão: não é o Estatuto da Terra e as regras jurídicas com ele correlatas que prevêm a possibilidade dessa revisão?
Pode-se imaginar o riso irônico do latifundiário que seja interpelado, a respeito. “A lei? Ora, a lei. Essa existe para reprimir sem terra e não para constranger meus privilégios.” Quando se diz que a Paz é fruto da Justiça, esses confundem Justiça com Judiciário, e como esse está sempre pronto para socorrê-los, a segurança oficial de que desfrutam “legitima” a injustiça social que criam, garantem e conservam, nem que isso custe a vida das/os sem-terra, como ocorreu semanas atrás.
Nenhum brasileiro é contrário à produtividade da terra. Duas coisas, todavia, do ponto de vista estritamente econômico-jurídico, não podem continuar desconsideradas por esse tipo de tratamento da matéria.
A primeira é a de que, à relação-pertença que todo o proprietário tem com sua terra, corresponde uma relação-destino que, pela função social intrínseca de aproveitamento dela, tem de ser conferida não somente em favor do primeiro, mas de toda a população do país. Isso significa que o poder de troca dos seus frutos não pode ser considerado, pelo proprietário desse bem, como hierarquicamente superior ao seu poder de uso. Para dizer tudo numa palavra, a terra não é só mercadoria, o que contesta, por exemplo, toda a ênfase que a expointer acentua em favor do agronegócio exportador, deixando em segundo plano a agricultura familiar, essa sim, a verdadeira e superior fonte de alimentação do povo.
A segunda, cujo reflexo nas decisões administrativas e judiciais anda completamente ausente, é a diferença notável que existe entre produtividade e produtivismo, sem o respeito da qual os índices de produtividade, ainda que sejam revistos, terão pouca chance de garantir a função social da terra. É que a produtividade não mata a terra, mas o produtivismo mata, conforme demonstrou, entre muitas outras lições, o Enio Guterres que. infelizmente, nos deixou tão cedo e de modo tão trágico:
“A terra, o solo, é um organismo vivo e cheio de vida. Da forma como for tratada, vai responder. Se for maltratada, vai produzir ervas daninhas, criar fungos que vão maltratar as plantas. A agricultura química não se preocupa em tratar o solo. Ela se preocupa em tratar a planta.” (...) “Os agrovenenos são a principal fonte de recurso das multinacionais. E o principal instrumento de exploração dos camponeses e dos agricultores em geral. É o mecanismo mais eficaz de transferência de renda da agricultura para a indústria. Presta-se a todo o tipo de manipulação, pois muitas doenças, muitos insetos e muitas ervas ditas “daninhas” são artificialmente disseminadas para depois se vender os venenos. (...) “...será sempre fácil “criar” doenças, oferecendo simultaneamente os “remédios.”
Como se estivesse falando para as transnacionais da celulose, refere: “A monocultura é um dos principais desastres da agricultura química e um dos principais meios de concentrar renda e inviabilizar os pequenos agricultores, bem como esgotar o solo e desequilibrar o meio ambiente. Construir um novo modelo começa pela diversificação da produção, pelo que se chama de policultivo - muitos tipos de produção - e pela combinação da criação de animais com agricultura, como forma de aproveitar os resíduos animais como adubação orgânica.”
Que a economia capitalista tem muita dificuldade de aceitar a economia solidária, isso a gente sabe de muito tempo. Que os números dos resultados econômicos da Expointer, com muito poucas exceções, reflitam apenas a primeira em detrimento da segunda, igualmente. O que não se pode aceitar é que os índices de “produtividade” da capitalista, como está ocorrendo agora, sirvam de álibi para se auto proclamarem como os únicos a serem reconhecidos como “legais”, impedindo que a solidária, não só “de direito”, mas de fato, garanta e partilhe tudo quanto a primeira sonega.
*Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
A Expointer entre a produtividade e o produtivismo
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