Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"A trajetória da produção dos alimentos no mundo é marcada pelo atual sistema pautado no modelo capitalista. A contaminação das águas e dos alimentos por meio do uso de agrotóxicos que causam perda na qualidade biológica destes, assim como o desenvolvimento de doenças são apenas algumas das consequências do agronegócio. A atual crise dos alimentos será uma das questões refletidas na 24ª Romaria da Terra do Paraná, que ocorre no próximo dia 16 de agosto, em Marilândia do Sul.

Em tempos de crise econômica e ambiental pode-se perceber um constante aumento no preço dos alimentos nos últimos dois anos, principalmente naqueles que compõe a dieta alimentar básica das famílias brasileiras como o feijão, o arroz e a farinha de trigo.

 

De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre os anos de 2007 e 2008, a cesta básica teve alta de 16,1% em São Paulo , 21,2% em Goiânia, 11,6 % no Rio de Janeiro e de 18,7% em Vitória. Além disso, nos últimos 15 meses o preço da cesta básica em Curitiba aumentou cerca de 14%. O feijão foi o campeão da lista com uma variação de preços de 151%, seguido da farinha de trigo, com 52,60%, e do óleo de soja com 51,70%. O arroz aparece em quarto lugar com um aumento de 38,70%, seguido pelo leite in natura, com 30,80%.

 

As constantes altas nos preços dos alimentos não se explicam somente com base nas crises econômica e ambiental. Existem razões nítidas que configuram esta atual conjuntura mundial. Pautado no modelo de agricultura intensiva, na monocultura, na concentração de terras, no desmatamento de florestas, na exploração de trabalhadores e trabalhadoras, além do uso de agrotóxicos e insumos que agridem os solos, poluem as águas e ainda encarece a produção, o mundo e, consequentemente o Brasil, entrou na era da “capitalização da agricultura”. Ou seja, o alimento deixou de ser necessidade de subsistência e passou a ser mercadoria.

 

Conforme o mestre em Saúde Coletiva , Alfredo Benatto, esta lógica passa a ocorrer a partir do que chamamos de “Revolução Verde”, modelo agrícola adotado após a 2ª Guerra Mundial que tem como base a produção dependente de adubos químicos, agrotóxicos e tratores para o plantio em monoculturas em grandes extensões de terra, a exemplo da soja e da cana-de-açúcar. “Os agrotóxicos são substâncias químicas destinadas a matar, tanto que recebem como sufixo a denominação ‘cida’, de bactericida, molusquicida, inseticida e herbicida. Eu ainda acrescento homicida, já que causa morte em humanos”, ressaltou Benatto sobre as consequências do uso abusivo de agrotóxicos.

 

Benatto ainda conta que a origem dos agrotóxicos se deu como finalidade bélica, ou seja, arma química. Segundo ele, a primeira utilização foi do gás mostarda pelos alemães na 1ª Guerra Mundial. “O uso na agricultura veio depois da 2ª Guerra, especialmente os organofosforados, agrotóxicos que são muito utilizados como inseticidas em várias culturas agrícolas e que causam problemas no sistema nervoso.”

 

O Brasil, em 2008, assumiu a liderança mundial no consumo de agrotóxicos, ultrapassando os Estados Unidos. Um levantamento realizado pelo Instituto Internacional de Pesquisa em Agronegócio mostrou um crescimento de quase 30% no mercado de insumos agrícolas no ano passado. Dados preliminares indicam que os produtores brasileiros compraram cerca de US$ 7 bilhões em defensivos agrícolas. O Paraná é o segundo estado com o maior índice de consumo de agrotóxicos, perdendo apenas para São Paulo. Em 2007, as principais empresas do setor (Bayer, Basf, Singenta, Monsanto e Dow) tiveram um rendimento de aproximadamente US$ 38 bilhões. Este valor representa um faturamento maior que o Produto Interno Bruto (PIB) de 130 países.

 

“Somos dependentes da produção agrícola”

 

Segundo Benatto, o uso de agrotóxicos, além causar doenças graves, como desenvolvimento de cânceres e alergias, contamina rios, lagos, poços de água e o solo, destrói a biodiversidade, de gerar dependência econômica. “O agricultor convencional é obrigado a comprar a semente, o adubo químico, os agrotóxicos, entre outros. Tudo isto representa energia que vem de fora do sistema de produção agrícola e esta energia é paga em dólares e depois o fruto desta produção é comercializada em reais no caso da produção para consumo interno. Há, portanto, uma defasagem.”

 

Já no caso das commodities agrícolas, como o soja, que serve para exportação e é comercializada em sua maioria em Bolsas de Valores, a moeda de compra e venda é o dólar. Para Benatto o pequeno agricultor sempre acaba no mesmo sistema que o grande produtor, só que com um poder de negociação muito pequeno, quando não nulo. “O pequeno agricultor acaba ficando nas mãos de grandes grupos econômicos e deles dependente para a obtenção de créditos agrícolas. Resumindo, o pequeno agricultor acaba trabalhando não para ele e sua família e sim sendo empregado destes grupos, enganado, pois quando há ocorrências como falta ou excesso de chuvas, quebra de produção em decorrência de ataques de ‘pragas’ a dívida fica com ele ou então é distribuída para a sociedade em geral mediante a busca de recursos financeiros nos governos estadual e federal. Todos temos conhecimento de que os agricultores estão solicitando dinheiro do governo todos os anos”, lembrou.    

 

É fato que esta dependência, como defende Benatto, compromete o desenvolvimento social do país. Outra realidade também defendida pelo mestre em Saúde Coletiva é que o alimento que vai para a mesa dos brasileiros é produzido pelos pequenos agricultores. “É para eles que o governo deve voltar a atenção, favorecendo os sistemas de assistência técnica e o crédito para que os mesmos possam produzir alimentos saudáveis que não coloquem em risco o meio ambiente e a saúde pública”, salientou.

 

A saída está na agroecologia e na produção camponesa/familiar

 

Alfredo Benatto ressaltou que os produtos produzidos egroecologicamente, além de ter maior valor nutricional, garantem a preservação da biodiversidade, das matas ciliares, da qualidade das águas e dos solos. De acordo com ele, alimentos orgânicos reduzem os custos com tratamentos médicos - uma vez que uma alimentação saudável é nutritiva para o corpo, supri as necessidades causadas pelos desgastes diários e também é terapêutica, no sentido de prevenir e tratar doenças - e ainda incorpora mão-de-obra garantindo a permanência das famílias nas propriedades rurais. “Penso que por todas estas questões, o produtor agroecológico deveria receber um pagamento por estar protegendo a saúde do homem e do meio ambiente, tal qual vem acontecendo com os chamados créditos de carbono”, sugeriu.

 

Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a agricultura familiar/camponesa com base nas relações saudáveis das pessoas com a natureza e consigo mesmas, é uma alternativa viável de produção e comercialização de alimentos que não está centrada no lucro, mas na reprodução da vida. A marca desse modelo de agricultura que vem sendo implementado pelos camponeses é a capacidade de trabalho da família que está inserida na construção de uma vida digna no campo, com a reafirmação dos valores comunitários e solidários, onde a agricultura possa ser vista como um processo de produção menos agressivo.

 

Sendo assim, uma das suas características é a não-exploração da mão-de-obra e o manejo dos recursos naturais de forma sustentável, conservando a biodiversidade ecológica e sociocultural das comunidades. Justamente ao contrário do modelo do agronegócio, a agroecologia é uma forma de entender e atuar a partir de uma consciência de geração (não exploração de crianças e velhos), de classe (não exploração do capital ao trabalho), de espécie (não exploração dos recursos naturais), de gênero (não exploração do homem à mulher) e de identidade (não exploração entre etnias).

 

“Aparentemente os produtos orgânicos são mais caros. Vejamos o por que.”

 

Benatto ao analisar o valor dos alimentos orgânicos reflete sobre o custo de uma contaminação da água quando nossa capacidade de retirar este veneno é nula, sobre qual o valor de um câncer que teve como indutor o consumo de alimentos envenenados ou ainda quanto custa os medicamentos para uma alergia, por exemplo. Para ele também devemos pensar qual é o valor de um suicídio em decorrência a exposição aos agrotóxicos e no preço de intoxicações crônicas. “Quanto custa a construção de hospitais para o Sistema Único de Saúde (SUS), já que a maioria dos casos é tratado no sistema público?”, questionou.

 

Conforme dados registrados no sistema de informações do Ministério da Saúde e das Secretarias dos estados, informados à reportagem por Benatto, em média ocorrem, aproximadamente, dez mil intoxicações por ano no Brasil. No entanto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) estes dados representam somente 2% da realidade. “Sendo assim, temos cerca de 500 mil intoxicações/ano no país que não são registradas, ou seja, que são diagnosticadas, mas que o profissional de saúde não registra ou que recebem diagnósticos errados. Ou ainda casos em que as pessoas apresentam os sintomas, mas não procuram atendimentos.”

 

Para o mestre em Saúde Coletiva , os alimentos orgânicos não trazem riscos na produção, uma vez que não colocam alimentos envenenados em comercialização. “Eles possuem de 40% a 60% mais propriedades nutricionais que os alimentos convencionais.” Além disso, a agroecologia garante a proteção de fontes de água, das matas ciliares e dos solos. “Por tudo isso a contribuição econômica é muito grande e ainda garante o bem estar individual e social.”

 

Conforme Benatto com o aumento da produção de alimentos orgânicos e a criação de pontos de oferta mais próximo dos consumidores é possível reduzir os custos de produção e, consequentemente, os preços finais de comercialização.

 

Alfredo Benatto é Médico Veterinário, formado na Universidade Estadual de Londrina com Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas com a Dissertação: Sistemas de Informações em Saúde nas Intoxicações por Agrotóxicos no Brasil: situação atual e perspectivas, defendida em 2002. Também é ex-gerente geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

 

 

 

 

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