A Comissão Pastoral da Terra/MS após reflexões realizadas a partir do seu trabalho cotidiano e direto com os acampados (as) e assentados (as) de Mato Grosso do Sul, manifesta sua preocupação com os rumos da REFORMA AGRÁRIA e com o futuro dos assentamentos.
Neste sentido, quer torná-la pública junto aos movimentos sociais do campo comprometidos com a reforma agrária e a agricultura camponesa, os órgãos públicos federais e estaduais responsáveis pela implantação dos projetos de assentamento e a assistência técnica às famílias assentadas.
O momento que vivenciamos é delicado por inúmeras razões, dentre elas destacamos o avanço do agronegócio e as disputas em torno do cargo de superintendente do INCRA no MS. Pois bem, a CPT/MS se sente no dever de explicitar suas preocupações como fruto do compromisso que assumiu junto aos camponeses deste Estado.
Nossa intervenção no debate público não vem no sentido político propriamente dito, não que a REFORMA AGRÁRIA não seja política, mas entendemos que nossa tarefa é avançar para além da discussão dos nomes e questionar acerca do projeto de REFORMA AGRÁRIA que queremos. Pois parece ser este o grande nó. Os camponeses, as entidades e órgãos públicos interessados na defesa da REFORMA AGRÁRIA no Mato Grosso do Sul precisam discutir os caminhos e (des)caminhos desta política de assentamentos que vem sendo implantada aqui. Sem fazermos este acerto de contas dificilmente conseguiremos caminhar, pois o descontentamento é amplo.
Para evidenciar o que chamamos de (des)caminhos e, logo, nossa preocupação com o PROJETO de REFORMA AGRÁRIA vamos iniciar lembrando a propaganda oficial do governo que vem destacando Mato Grosso do Sul como o Estado que nos últimos anos tem assentado o maior número de famílias.
Não vamos questionar isso, apenas lembrar que a estrutura fundiária do Estado em quase nada foi alterada, ou seja, continua altamente concentrada. Então qual é o problema? Vejamos, estas famílias tem sido assentadas em lotes de tamanho bem inferior aos assentamentos realizados nos anos anteriores, com o agravante de que a atual administração Regional do INCRA de Mato Grosso do Sul optou prioritariamente pela aquisição de terras (compra) em detrimento do instrumento constitucional de desapropriação dos latifúndios que não cumprem a função.
Para piorar a situação, muitos destes assentamentos são criados distantes dos centros consumidores e em áreas pobres em fertilidade do solo. Por outro lado, a imposição de um modelo, denominado “Sócio Proprietário” que visa transformar os sem terra em “empresários” e que não respeita a cultura camponesa da propriedade individual familiar, cria uma grande insatisfação nas famílias que sonharam/lutaram para ter esse pedaço de terra. Este modelo para ser implantado depende de alto grau de organização social das famílias, de assistência técnica de qualidade (que de fato não é oferecida às famílias assentadas), além de ser questionável como têm mostrado inúmeros pesquisadores ligados a questão agrária nacional e internacional inclusive ligados ao próprio MST.
Acrescentase a isso questões de ordem doméstica como o atraso na implantação de infra-estrutura necessária e a demora de até dois anos (assentamento São João em Nova Alvorada do Sul) para liberar o primeiro crédito do PRONAF, situação fundamental para que as famílias possam iniciar a organização da propriedade e da produção.
Portanto, este atual modelo/projeto de REFORMA AGRÁRIA tem criado uma enorme insatisfação e revolta das famílias que lutaram por um pedaço de terra, estimulando a desistência, o abandono, bem como a venda dos lotes. Ou o arrendamento das terras para o plantio da cana ou do eucalipto, que é muito grave, pois é proibido por lei.
No assentamento Itamarati, há denúncia de que foram arrendados os armazéns, os pivôs e as terras usados para a irrigação, tudo com o consentimento do INCRA. E apesar da venda de lotes ser condenada publicamente e a ação de retomada alardeada, o que se vê na prática geral é a omissão do INCRA tanto no sentido da regularização dos que lá estão como da retomada de lotes comprados por pessoas que não têm o perfil exigido por lei como por exemplo donos de supermercados.
Reiteramos que vimos a público manifestar nossa contribuição porque é preocupante o número de denúncias feitas à CPT/MS como, por exemplo, a venda de vagas antecipadas em acampamentos (que chegam a R$ 2.000,00 ou mais por vaga), cujos denunciantes não querem ser identificados por temerem represálias ou até mesmo a expulsão do acampamento.
Mas não podemos finalizar esta nota sem dizer que o governo do Estado prioriza explicitamente o Agronegócio, em prejuízo da agricultura familiar no MS. Desta forma, a assistência técnica pública tem se mostrado totalmente ineficiente e inoperante, não sendo capaz sequer de elaborar em tempo hábil os projetos de investimento do PRONAF. O governo alega que não tem técnicos suficientes, o que é verdade, porém os que têm passam a maior parte do seu tempo nos escritórios, não tendo muitas vezes combustível para ir até os assentamentos.
É inegável que a criação de assentamentos tem aquecido a economia dos municípios onde estão instalados, trazendo benefícios não só aos sem terras, mas a toda sociedade local. Portanto, reafirmamos a necessidade urgente de rever o modelo/projeto de REFORMA AGRÁRIA no Mato Grosso do Sul, não só como mecanismo de desenvolvimento econômico, mas também social.
Defendemos o fim do latifúndio com o estabelecimento do limite para o tamanho da propriedade rural, pois entendemos que todo latifúndio por si já é injusto e a terra deve cumprir a função social como reza o artigo nº 184 da constituição federal. Terra para quem nela trabalha e produz e não a serviço da especulação financeira.
Comissão Pastoral da Terra/MS 16/02/08.