O acidente que vitimou dois trabalhadores rurais em Palmares, a 116 km do Recife, expôs um antigo problema que ainda persiste na Zona da Mata Sul do estado: a clandestinidade do trabalho no campo. Todos os ocupantes do ônibus de placa BYA - 4924, que colidiu ontem de manhã com um táxi, não tinham carteira assinada. Eles trabalhavam por produção e recebiam, por dia, de R$ 13 a R$ 30. Uma equipe da Superintendência Regional do Trabalho esteve à tarde no engenho Vida Nova e suspendeu as atividades no local. Foram constatadas diversas irregularidades na propriedade que pertence ao pai do deputado estadual Marcos Barreto.
"O engenho é formado por parcelas do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que estão sendo exploradas por Marcos Barreto. Lá identificamos vários trabalhadores sem carteira assinada e, entre eles, uma menor de 14 anos", afirmou o auditor fiscal e coordenador da equipe, Paulo Mendes. Segundo ele, os empregados do engenho não possuíam equipamentos individuais de proteção, consumiam água imprópria e faziam as refeições ao ar livre.
"Já entramos em contato com o Ministério Público do Trabalho, que decidirá quando entrará com uma ação civil pública contra o empregador. Vamos investigar todas as denúncias. Amanhã (hoje) retornaremos ao engenho para saber se a situação permanece a mesma", comentou Paulo Mendes. As informações foram repassadas por um administrador do engenho, que trabalha no local há quatro anos. Sem carteira assinada.
Empreiteiro - O deputado estadual Marcos Barreto informou ao Diario que o engenho Vida Nova é de seu pai, Antônio Barreto, mas a safra de cana-de-açúcar deste semestre foi vendida ao empreiteiro Antônio Wilson. "Ele é o responsável pela contratação dos trabalhadores e também pelo ônibus que os transportava", justificou o parlamentar.
Procurado pela equipe de reportagem, o empreteiro Antônio Wilson não foi localizado para comentar as denúncias. Trabalham no engenho Vida Nova cerca de 70 trabalhadores rurais.
Entrevista com Lucila Maria de Sales
"Vou tentar ser doméstica"
Uma das poucas mulheres recrutadas para trabalhar na moagem de cana do engenho Vida Nova, no município de Água Preta, Lucila Maria de Sales, de 43 anos, sofreu contusões no ombro e no quadril. Assim como seus "companheiros de lida", não tinha a carteira assinada. Ela ficou presa nas ferragens do ônibus e chegou a pensar que iria morrer. Foi socorrida no Hospital Regional de Palmares e recebeu alta. A trabalhadora rural admitiu que o motorista do coletivo corria muito e que, por isso, várias vezes sentiu medo. Depois do acidente de ontem, Lucila não voltará mais ao campo. "Vou tentar trabalhar como empregada doméstica. Não gosto muito, mas pelo menos me sinto mais segura", desabafou.
Como aconteceu o acidente?
Saímos de Joaquim Nabuco às 4h30. Quando estávamos perto de Palmares, o motorista foi desviar de um Gol e acabou batendo no carro. O ônibus capotou duas vezes antes de cair do lado direito da pista. Depois disso, não me lembro mais de nada. Foi tudo muito rápido. Só lembro que fiquei um tempão presa nas ferragens, antes de uma ambulância vir me resgatar. Fui socorrida perto das 7h30. Fui uma das últimas, mas tive sorte. Estava sentada no meio do ônibus.
Durante o tempo em que você trabalha no engenho, teve medo de andar no ônibus?
Trabalhava há três semanas no engenho, mas sempre tive medo de andar com Bebeto, como ele é conhecido por aqui. Ele corre demais. Sem falar que nem carteira de motorista ele tem. Sei porque conheço ele há muito tempo, lá do bairro onde moro. Bebeto trabalha para um empreiteiro chamado Antônio Wilson. É esse Antônio que tira as multas de trânsito dele. Acho que Bebeto foi contratado porque faz o serviço mais barato aqui na região. Mas ele já é velho e tem pouca atenção na direção. Dava para perceber isso.
Como eram suas condições de trabalho no engenho?
Dá para notar pelo ônibus que trazia a gente, né? Nunca tive carteira assinada. Aliás, todo mundo lá no engenho trabalha clandestinamente. Por dia, ganhava R$ 13. As mulheres ganham menos que os homens. Eles chegam a receber até R$ 20. Trabalhava lá porque não gosto de outro serviço. Prefiro ficar no campo. Mas, agora, não quero mais saber. Vou tentar ser empregada doméstica por aqui. Preciso trabalhar para pagar minhas coisas.
Diário de Pernambuco, 13/02/08.