Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O bispo de Presidente Prudente, d. José Maria Libório Saracho, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em São Paulo, disse ontem que vai incentivar sem-terra a continuarem ocupando fazendas no Pontal do Paranapanema, a região com maior número de conflitos agrários do Estado. Até ontem, tinham sido ocupadas 18 fazendas na região, no chamado “carnaval vermelho” do líder do Movimento dos Sem-Terra (MST) José Rainha Júnior.

Para integrante da Comissão Pastoral da Terra, governo só faz reforma agrária com ‘situação de insegurança’

José Maria Tomazela, SOROCABA

Novas ações devem ocorrer até o fim da semana. “O único jeito de chamar a atenção do governo para a reforma agrária é ocupar e criar uma situação de insegurança”, afirmou d. José Maria ontem. “Animo o pessoal para que continue ocupando. As multinacionais não vão querer vir para cá se a situação for de insegurança. A cana-de-açúcar vai ser um fracasso e o governo vai ter de fazer alguma coisa pelo povo.”

Na manhã de hoje, o bispo recebe representantes do MST, do Movimento dos Agricultores Sem-Terra (Mast) e de outros movimentos e sindicatos rurais envolvidos na recente onda de ocupações. Eles vão pedir que fale com o governador José Serra para que tire da pauta da Assembléia o projeto de regularização das terras do Pontal enviado em 2007.

As áreas a serem legitimadas pelo projeto são fazendas com mais de 500 hectares que estão em disputa na Justiça, pois o Estado considera as terras devolutas, mas os donos alegam ser proprietários legítimos. Em troca, os donos cederiam parte das áreas para serem usadas na reforma agrária.

DIÁLOGO

D. José Maria se dispôs a falar com Serra e contou que ele lhe telefonou no ano passado, quando recebeu o secretário de Justiça, Luiz Antonio Marrey, para discutir o projeto. “Disse que viria bater um papo, mas não veio. Se ele quiser me escutar, vou dizer que ele está errado sobre esse projeto.” O bispo entende que seria “injusto e imoral” legalizar terras passíveis de destinação para a reforma agrária, quando há famílias passando fome nos acampamentos. “Falei isso para o Marrey e ele me disse que eu estava equivocado, mas os equivocados são eles.”

Segundo o bispo, nos últimos anos o Estado adquiriu, com dinheiro repassado pelo governo federal, as Fazendas Porto Maria, Santa Tereza, Santo Expedito e São Camilo, no Pontal, mas não assentou famílias em nenhuma. “Não adianta o Incra repassar dinheiro se o Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) não coloca as fazendas em dia para o povo trabalhar.”

Ele alegou que o Estado devolveu R$ 20 milhões dos R$ 56 milhões repassados em 2007. “É uma vergonha devolver para Brasília a parte não gasta.” Marrey afirmara ao Estado que o repasse foi de R$ 38 milhões e R$ 34,4 milhões foram usados.

O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, disse que o bispo “não mede os limites, é ligado à esquerda radical, da qual fazem parte o MST e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)”. Ele lamentou que o bispo se utilize da Igreja Católica “para pregar o vandalismo e a baderna”. O presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho da Silva, considerou uma “profunda irresponsabilidade” as declarações do bispo. “Afasta o desenvolvimento e não resolve o problema do desemprego daquelas pessoas.” Ele disse que a reforma agrária “já cansou”.

Para o líder do MST Valmir Rodrigues Chaves, d. José Maria é aliado da reforma agrária. “O que ele está dizendo é o que o MST também acha: se não houver pressão a reforma não sai.”

Sem-terra desocupam fazenda

José Maria Tomazela e Sandro Villar

Integrantes do MST desocuparam ontem a Fazenda São Luiz, em Presidente Bernardes, ocupada no chamado “carnaval vermelho”. As 110 famílias acataram ordem de despejo da Justiça.

Segundo o líder dissidente José Rainha Júnior, 10 fazendas continuavam ocupadas até o fim da tarde: Coqueiro e Santa Tereza, em Presidente Venceslau, Guarani, em Presidente Bernardes, Beira Rio, em Teodoro Sampaio, Boa Esperança, Nova Esperança e Estrela da Laranja Doce, em Martinópolis, e Santa Maria, Santo Antonio e Nova Lagoinha, em Presidente Epitácio.

Novas ordens de reintegração de posse podem sair hoje. “Toda decisão judicial nós vamos respeitar, mas a nossa mobilização vai continuar”, disse Rainha.

Essa não é posição da Igreja, reage CNBB

Secretário-geral não quer apoio às invasões “nem como último recurso” Roldão Arruda

As declarações do bispo d. José Maria Libório Saracho sobre invasões de terras não representam o pensamento da Igreja Católica, nem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Em mais de uma ocasião a Igreja deixou claro que incentivar invasões não faz parte de seu programa nem como último recurso”, disse ontem o bispo d. Airton José dos Santos, secretário-geral da regional Sul 1 da CNBB, que abrange todas as dioceses do Estado de São Paulo.

D. Airton, que dirige a diocese de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, ressalvou que não conhece os acontecimentos que envolvem a declaração de seu colega. “Ele faz parte de uma pastoral da Igreja que acompanha os problemas agrários do País e conhece bem a realidade dos sem-terra”, explicou. “Pode ser que não esteja vendo outro jeito de agir. Mas, repito, ele não fala em nome da Igreja.”

De acordo com a estrutura da Igreja, cada bispo tem autonomia dentro de sua diocese. E, embora todos devam se guiar pela doutrina geral da instituição, eles podem adotar posições particulares, livremente, de acordo com a realidade de cada lugar. ESPECÍFICO

Pela CNBB podem falar apenas os três membros da sua presidência: o presidente, o vice e o secretário-geral. Os bispos integrantes de comissões e pastorais também podem falar em nome delas, especificamente. A CNBB possui, entre outras, as pastorais carcerária, da família, da juventude, dos migrantes. A Comissão Pastoral da Terra faz parte dos chamados organismos eclesiais relacionados com a CNBB, assim como a Comissão Pastoral Operária e o Conselho Nacional de Leigos.

D. José Maria faz parte da CPT de São Paulo. Ele pode, portanto, ter falado como titular da Diocese de Presidente Prudente; e também como representante da CPT.

Antes de assumir a diocese no oeste paulista, d. José Maria, um espanhol de origem basca, trabalhou durante 34 anos em bairros da zona leste de São Paulo. No início de 2002 o papa João Paulo II mandou-o para Prudente, que é o centro da região conhecida como Pontal do Paranapanema, um dos maiores focos de conflitos agrários do País. Lá ele encontrou uma parte do clero intensamente envolvida com os movimentos dos sem-terra, por meio da CPT.

Essa não é a primeira vez que ele faz declarações de apoio às ações dos sem-terra. Em 2003, ao celebrar missa num acampamento do MST, ele disse que Deus deu a terra para todos os homens e não só para os fazendeiros.

ESTADÃO - 13/02/2008

 

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