Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O Fenômeno da pistolagem no Brasil, ao contrário do que se imagina, não está relacionado somente com os interiores das regiões Norte e Nordeste, nem está localizado em um passado remoto, e nem se relaciona apenas com questões de conflitos de luta pela terra.

A certeza vem ao ler o livro “O Nome da Morte”, de autoria do jornalista Klester Cavalcanti, na obra ele narra a história de Júlio Santana, um pistoleiro que em 35 anos, matou exatamente 492 pessoas, em diversos lugares do país.

Em entrevista, à Radioagência NP, o jornalista conta de sua relação com Júlio Santana e deixa claro a partir da reflexão de fatos recentes como a morte da missionária Dorothy Stang, como o fenômeno ainda se dá no Brasil.

Radioagência NP: Você conversou com Júlio Santana por telefone durante sete anos, como foi encontrar um homem que matou quase 500 pessoas?

Klester Cavalcanti: A imagem que eu construí passando sete anos falando com ele por telefone era muito próxima da imagem real. Não a imagem física, mas a humana da pessoa. Um cara que por mais louco que pareça, um assassino de aluguel, era um cara bem tranqüilo, com humor bem próprio e muito íntegro em relação às coisas. O que eu encontrei no Júlio Santana é um cara que tem um orgulho meio estranho de dizer que nunca matou ninguém na vida porque ele quis matar, seja por vingança, briga ou questões pessoais. Todas as 492 pessoas que ele matou, ele fez porque alguém pagou para ele matar.

Radioagência NP: O coronelismo ainda é muito forte principalmente no interior do país. O Júlio, que de certa forma faz parte desse sistema, O que ele é? Ele é vítima? Ou é cúmplice?

KC: Eu acho que ele é cúmplice. O que motivou o Júlio a aceitar o convite do tio para virar pistoleiro, foi a vontade de ganhar o que o tio tinha - uma moto, um barco ou uma casa igual a que o tio tinha. Eu não acho que as pessoas são vítimas. O Júlio quando matou a primeira pessoa tinha 17 anos, ele era tão bandido quanto ele é hoje. No livro, eu conto que ele matou um garoto de 13 anos com um tiro na cabeça. Esse cara é um criminoso, mas não é um animal. Mas uma coisa é certa, se o Júlio não fosse matador, todas as pessoas que ele matou estariam mortas do mesmo jeito. Porque os mandantes dos crimes, se não tivessem contratado o Júlio, teriam contratado o João, o José ou Severino.

Radioagência NP: A maioria dos fatos relatados no livro aconteceram na região norte e no passado. Mas hoje, pessoas como a missionária Dorothy Stang continuam sendo mortas por pistoleiros. Disso você que o fato é real e atual, mas que a mídia não aborda o fenômeno com a gravidade e seriedade de termos que ele realmente merece. Qual a sua opinião sobre isso?

KC: A gente tem casos bem mais próximos que mostram como isso acontece. Por exemplo, a morte do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, foi morto há quanto tempo? Até hoje não foi esclarecido. Foi morto de um jeito que fica meio óbvio que ali foi um caso encomendado e depois executado por assassino de aluguel. A gente tem crimes assim no Brasil inteiro, a imprensa mostra esses casos e passa para outro. O caso da Dorothy Stang ficou tanto tempo em evidência e voltou agora [por causa do novo julgamento], porque ela era uma religiosa americana. O mesmo empenho que o Governo Federal mostrou para pegar o mandante do crime da Dorothy Stang, tem que ser feito para pegar os mandantes dos crimes de todos os agricultores que morrem no Brasil todos os dias, porque quando matam um agricultor em Marabá (PA) ninguém mostra.

Radioagência NP: O que você tem a dizer sobre a impunidade no Brasil?

KC: Morre gente todo dia no Brasil em crimes relacionados com a questão agrária. Todos os estados têm registros de trabalhadores rurais sendo assassinados e para a vergonha maior, a impunidade do mandante é de 100%, nenhum mandante até hoje foi preso. O mandante da morte da Dorthy agora está prestes a ficar livre, o pistoleiro agora está dizendo que matou a missionária porque quis e ninguém o mandou fazer aquilo. É óbvio que o mandante falou para o pistoleiro o seguinte recado: se você me entregar, eu mando matar a sua família e se você me livrar, quando você sair, eu lhe dou uma grana. É claro que é isso, todo mundo sabe e ninguém faz nada!

Radioagência NP: Conte um caso que exemplifica isso.

KC: Por exemplo, o Júlio me contou de quando ele comandou uma chacina em Rondônia em que matou seis pessoas, ele tinha um caderno onde ele anotava os nomes das vítimas e mandantes. Eu liguei para pessoal da CPT, pedi que eles averiguassem e eles me confirmaram tudo. Eu consegui descobrir coisas que nem ele sabia. Teve um caso em que ele matou um sindicalista chamado Nativo a mando do prefeito em uma cidade de Carmo do Rio Verde (GO). Eu consegui o processo judicial, e descobri que muito tempo depois, o prefeito chegou a ser julgado como mandante do crime, mas foi absolvido por falta de provas. E agora a gente tem um livro com um cara que diz que foi ele que matou o Nativo, a mando do prefeito, sim senhor! Então tudo está confirmado e a polícia e a justiça não fazem nada!

De São Paulo, da Radioagência NP, Juliano Domingues. 25/10/07

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Rua Esperanto, 490, Ilha do Leite, CEP: 50070-390 – RECIFE – PE

Fone: (81) 3231-4445 E-mail: cpt@cptne2.org.br