Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O programa de governo de Lula enfatiza a questão da agricultura familiar, mas os recursos orçamentários para 2007 são praticamente os mesmos de 2006

*Edélcio Vigna

Publicado em: Brasil de Fato www.brasildefato.com.br

O Programa do segundo mandato do governo Lula (2007/2010) para a área rural é composto por quatro grupos de políticas: (1) Agrícola, (2) Reforma Agrária e democratização do acesso a terra, (3) Cidadania e inclusão social e (4) Desenvolvimento regional e territorial.

Grande parte do seu conteúdo é dedicado às propostas de agricultura familiar. Algumas polêmicas, como a geração de novas tecnologias agrícolas e industriais para a produção de biocombustíveis. Esta proposta, especificamente, está provocando reações, pois se teme que as unidades familiares se tornem elos dependentes da cadeia de produção primária — cana e mamona — para os grandes usineiros. A produção monocultora não é uma característica da agricultura familiar que é, por princípio, multifuncional e diversa em sua produção. Dessa forma, o item Política Agrícola mistura conceitos da produção comercial para exportação — o agronegócio — e da agricultura familiar.

O item Reforma Agrária e Democratização do Acesso da Terra está resumida em uma página. Em algumas linhas buscou-se sistematizar o conceito de reforma agrária: "o Programa de Governo incorpora a reforma agrária ampla, massiva e de qualidade como parte fundamental de um novo projeto de desenvolvimento nacional e orientada para a redefinição da agricultura brasileira. Uma reforma agrária plural que se ajusta à diversidade regional e cultural".

O que é farto no discurso, falta na prática. Em 2006, reforma agrária não foi ampla, massiva e nem fez parte do projeto de desenvolvimento nacional. Não há um entendimento por parte do Estado da função alavancadora de desenvolvimento da reforma agrária. Sem este patamar de consciência, não há um esforço de nenhum dos poderes no sentido de promover um ambiente favorável à implementação de uma política que corresponda ao conceito adotado pelo governo.

Como os recursos orçamentários para 2007 são praticamente os mesmos de 2006, não se pode esperar nenhum avanço significativo em termos de novos assentamentos ou de aquisição de terras para a reforma agrária. De acordo com o PPA 2003/2007, a meta de assentamento para este ano é de 150 mil famílias, mas os recursos para aquisição de terras foram reduzidos. Como o governo não tem um estoque de terras, ao contrário tem encontrado dificuldades em desapropriar, não se pode esperar nada além do que foi realizado em 2006. Ainda não foram divulgados os números oficiais, mas as previsões é que, em 2006, tenham sido assentadas cerca de 40 mil novas famílias. Para atingir a meta estipulada no Plano Nacional de Reforma Agrária, o governo teria que ter assentado 100 mil famílias por ano ou seguido a programação do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA.

Há setores dentro do PT e da base de sustentação parlamentar do governo que acreditam na possibilidade da reforma agrária ganhar expressão neste segundo mandato. A proposta destes segmentos é pressionar para liberar as amarras legislativas e burocráticas, que estão travando a reforma agrária. Ocorre que os obstáculos à democratização da terra são de ordem política, de entendimento pelo Estado de seu papel como impulsionador do desenvolvimento nacional.

O programa de governo prevê que para viabilizar o "novo sentido estratégico a reforma agrária" é preciso intensificar a democratização da propriedade da terra. Para isso, necessita atualizar os índices de produtividade, continuar efetivando o princípio constitucional da função social da propriedade, aperfeiçoar a legislação agrária e avançar nas políticas de apoio à produção, assistência técnica, agregação de valor e comercialização, ampliação da infra-estrutura social e produtiva. Este também é o nosso entendimento, mas ainda não superamos o obstáculo de principio: em que ponto se situa a reforma agrária no modelo de desenvolvimento?

Os itens Regularização e Reordenamento Agrário e Crédito Fundiário, assim como os conceitos do agronegócio, só compõem o programa de governo porque o governo não produziu um programa de reforma agrária, mas de "Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário". Isso explica a nossa incredulidade em relação a qualquer avanço deste governo em termos de reforma agrária, no amplo entendimento do conceito. Caso um dos poderes do Estado estivesse convencido, de fato, que a reforma agrária é parte essencial do modelo de desenvolvimento nacional, poderia haver uma possibilidade, mas esta chance nos parece remota.

O último item do programa trata das Comunidades Quilombolas. Estes povos afrodescendentes, diferente dos indígenas, não têm suas terras reconhecidas, mas regularizadas. Em geral, são terras que pertenciam ou pertencem a famílias tradicionais, caso ainda não estejam nas mãos de grileiros. Como entendemos que a reforma agrária se faz por meio de desapropriação e não de regularização ou compra de terras, não podemos considerar a regularização das comunidades quilombolas como parte do processo de reforma agrária. Admitimos que esse processo de reconhecimento, assim como o de crédito fundiário, pode alterar o mapa fundiário nacional e ajudar a desconcentrar a posse da terra, mas não parece capaz de reduzir o poder da elite fundiária.

Voltamos a reafirmar que o governo Lula, em seu segundo mandado (2007/2010) dificilmente conseguirá impor algum avanço no processo de reforma agrária no Brasil. Tanto o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), não possui capacidade operacional suficiente para promover a desconcentração da terra nos níveis exigidos pelas organizações democráticas da sociedade civil. O Judiciário não está sensibilizado para entender o processo de reforma agrária como um ato de justiça social. Continuará submetido à indústria das liminares contra as desapropriações e criminalizando as lideranças dos movimentos sociais. O Congresso Nacional dificilmente aprovará os projetos de lei destinados a destravar a reforma agrária. A bancada ruralista já demonstrou sua força no primeiro mandato, conseguindo a presidência das comissões técnicas de Agricultura e de Meio Ambiente, além de ter bancado o ex-ministro da Agricultura. Na CPMI da Terra, os ruralistas reverteram o relatório do ex-deputado João Alfredo e impuseram o do deputado Lupion. O Executivo, para manter a governabilidade, provavelmente vai compor a sua base legislativa de forma mais conservadora do que no primeiro mandato, obstaculizando qualquer rearranjo de poder que possibilite o avanço da reforma agrária.

Nesse contexto, a reforma agrária continuará a ser implementada como uma política de baixo impacto no modelo de desenvolvimento, com baixo investimento de recursos públicos, pouca estrutura operacional e levada à prática por meio da pressão dos movimentos sociais.

*Edélcio Vigna de Oliveira é Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

 

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