Chimen Peyizan*
Se nou ki gen kouray pou fé listwa
(Somos nós que temos coragem para fazer História)
No início do século XVIII, vitoriosa a revolução dos escravos negros liderados por Toussaint L’Ouverture e Jean Jacques Dessalines, o termo ‘haitianismo’ passou a ser sinônimo de liberdade. Qualquer menção ao Haiti fazia com que os colonizadores e senhores de engenho nas Américas tremessem diante da possibilidade de massificação continental da luta negra anti-escravagista.
Desde então, os olhos das nações imperialistas estiveram sempre atentos a qualquer movimento de massas dos herdeiros de L’Ouverture. As suspeitas de um novo ascenso do ‘haitianismo’ eram pronta e duramente sufocadas. Não é a toa que em menos de 100 anos, o Haiti já tenha sofrido duas intervenções militares estadunidenses e uma ocupação militar patrocinada pelas Nações Unidas, sob o comando do exército brasileiro.
Mas não são só os olhos imperialistas que repousam sobre o Haiti. Os trabalhadores e trabalhadoras das Américas, que tanto beberam do exemplo revolucionário haitiano, também estão atentos e prontos para prestar apoio à sua luta.
É neste espírito de solidariedade entre os povos, e para se contrapor à ocupação militar imposta ao país pelas Nações Unidas em 2004, que camponeses e camponesas da Via Campesina Brasil se organizaram para uma missão de solidariedade com o povo e as organizações camponesas haitianas.
Iniciado o contato com os movimentos camponeses haitianos em 2007, a Via Campesina Brasil enviou em Janeiro de 2009 a Brigada Internacionalista Dessalines de Solidariedade ao Haiti.
Durante todo o ano passado, os quatro integrantes da Brigada Dessalines percorreram todos os dez departamentos do país e, em parceria com as organizações camponesas, realizaram um diagnóstico sobre as possibilidades de parceria e colaboração entre os camponeses brasileiros e haitianos.
Além desse diagnóstico, a Brigada Dessalines fortaleceu o vínculo da Via Campesina Brasil com o KAT JE – os quatros movimentos sociais camponeses que compõem a Via Campesina Haiti. O termo KAT JE vem do provérbio popular kat je kontre, manti kaba (‘Quando quatro olhos se encontram, a mentira acaba’) e abarca os movimentos MPP (Mouvman Peyizan Papay), Tét Kole Ti Peyizan, MPNKP (Mouvman Peyizan Nasyonal Kongré Papay) e KROS (Kodinasyon Rejional Organizasyon Sidés). Em colaboração com esses movimentos, também existe uma parceria com a Organização Não Governamental PAPDA (Plateforme Haïtienne de Plaidoyer pour un Développement Alternatif).
Neste diagnóstico, a Brigada levantou quatro pontos chaves de atuação e cooperação:
- Sementes – Para fortalecer a produção e soberania alimentar do povo hiatiano, foi proposto o envio de sementes crioulas e leguminosas do Brasil, além da construção de um Centro Nacional de Sementes, voltado para o armazenamento e produção de sementes a ser coordenado pelos próprios camponeses haitianos.
- Captação de Água – A falta d’água é um problema que afeta todo o Haiti, em particular a população camponesa. Por isso a proposta de cooperação e repasse de tecnologias para a construção de cisternas, poços e açudes.
- Reflorestamento – Mais de 95% da mata nativa haitiana foi devastada e 70% da população depende do carvão vegetal para conseguir energia. A proposta, construída junto com o KAT JE, é a da criação de um Plano Nacional de Reflorestamento, além de ações localizadas como planos de reflorestamento regionais e a construção de um Viveiro Central.
- Formação – Construção de uma Escola Técnica em Agroecologia e de uma Escola de Formação Política em parceria com a Via Campesina Haitiana.
Com o terremoto que atingiu o Haiti em 12 de Janeiro de 2010, e que afetou fortemente o campo haitiano devido ao êxodo das populações oriundas das cidades mais afetadas para a área rural – estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas migraram para o campo - a Via Campesina Brasil, durante sua II Plenária Nacional, decidiu por fortalecer a Brigada Dessalines, para que as propostas de cooperação levantadas em seu diagnóstico pudessem ser levadas adiante de maneira mais rápida e efetiva.
Dessa forma, para se somar aos quatro brigadistas que compunham a Brigada Dessalines, vinte e sete militantes do MAB, MMC, MPA, MST, MTD e CPT, oriundos de dez estados de todas as cinco regiões do país se reuniram na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) durante o mês de março. São camponeses e camponesas, técnicos agrícolas, técnicos agropecuários, técnicos em agroecologia, técnicos em administração de cooperativas, especialistas em poços e cisternas, carpinteiros, pedagogos, técnicos em enfermagem e médicos.
Após um mês de formação na ENFF, os brigadistas partiram rumo a Porto Príncipe no dia 03 de Abril de 2010. Todos e todas dispostos a se somar na luta do povo haitiano por liberdade e soberania.
Ann ale lite!
(Vamos à luta!)
*Chimen Peyizan é a tradução para Via Campesina em Kreyòl.
Texto de Thalles Gomes, da CPT Nordeste II, integrante da Brigada Dessalines.