Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

No dia 04.03, o assentamento da Catende recebeu a visita do Ministério Público do Trabalho. Apenas 10 dias depois, com um processo sumário, decidiram ingressar na Justiça do Trabalho com uma Ação Civil Público. Pediram uma condenação liminar em 51 itens, dentre os quais multas milionárias que superam os R$ 10 milhões e que, se aplicadas, significariam a paralisação do assentamento. Para as usinas privadas pernambucanas, que também visitaram, estão sugerindo apenas um termo de ajuste de conduta consensual. 
 
 
  
  

 
   
   Antes de ingressar na Justiça convocaram a imprensa no dia 17 e divulgaram, inclusive no próprio sítio do MPT na internet, duros prejulgamentos e fortes adjetivos
 
Nesse curto período, as lideranças eleitas do assentamento tentaram em vão demonstrar as conhecidas peculariedades e dificuldades de seu esforço produtivo, bem como o empenho coletivo no mês de fevereiro para honrar os deveres diante dos créditos do Pronaf, o que fazem todo o ano desde que conquistaram o direito de acessá-lo. Seus depoimentos foram colhidos à vista de armamento pesado e sob constantes ameaças. O assentamento também realizou uma Assembléia no dia 16.03.09 com cerca de 1.200 trabalhadores que, por unamidade, confirmaram a decisão anterior de priorizar o pagamento dos seus débitos. Os atos foram filmados e entregues ao MPT que, convidado, não quis comparecer à assembléia. Naquele mesmo dia 16, R$ 5,9 milhões foram pontualmente pagos ao Banco do Brasil. No dia 20, o pagamento dos salários pode se retomado normalmente.Ontem  apresentamos contestação perante a Justiça do Trabalho. Vamos aguardar a decisão. Segue nota divulda pelas associações dos assentamentos.

NOTA

AO POVO PERNAMBUCANO E AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Para restabelecer a verdade e rebater as interpretações equivocadas amplamente divulgadas por alguns procuradores do Ministério Público do Trabalho sobre o nosso assentamento na antiga Usina Catende, ESCLARECEMOS :

1.    Há quase 14 anos desenvolvemos um dos maiores projetos de economia solidária e de autogestão do País. Desde 2006 somos um dos 02 maiores assentamentos de reforma agrária brasileiros, quando o Governo Lula e o Incra atenderam aos trabalhadores e decidiram desapropriar todas as terras da antiga Usina (27 mil hectares),  assentando 4.300 famílias de camponeses, ao lado de 600 famílias de operários que funcionam a fábrica que por direito pertence a todos (as).

 

2.    Nossa luta se iniciou em reação às demissões em massa de 2.300 trabalhadores rurais, promovida em agosto de 1993 pelos antigos donos, sem indenização dos direitos. Naquela década, cerca de outras 17 usinas fecharam as portas em Pernambuco. Em todas essas empresas, milhares de trabalhadores perderam os empregos no campo e na indústria e muito poucos tiveram os seus direitos indenizados.

 

3.    Nós, os trabalhadores (as) da Catende e seus representantes eleitos, decidimos não ter o mesmo destino. Requeremos a falência judicial da antiga empregadora, para preservar o patrimônio que garante até hoje o pagamento de nossos direitos, num processo inédito e único na história do setor sucro-alcooleiro estadual e nacional. Naquele momento, além de se preocupar com o passado (os direitos) : pensamos no futuro e decidimos enfrentar imensas dificuldades para manter a empresa funcionando em regime judicial, preservando milhares de  empregos e os salários, bem como a renda que também garante a sobrevivência de toda uma região, em cujos 05 municípios habitam mais de 120 mil famílias.

 

4.    Para se ter uma idéia concreta disso, no período entre 1997 a 2009 a nossa produção totalizou R$ 286 milhões e a soma da arrecadação do Fundo de Participação pelos 05 municípios da região totalizou R$ 288 milhões. Ou seja, a renda de nossa produção injetou na economia regional a mesma quantidade de recursos da arrecadação fiscal dos municípios de Palmares, Catende, Água Preta, Jaqueira e Xexéu.

 

5.    Nesta safra, nosso assentamento pagou quase R$ 9 milhões de salários a 2.056 trabalhadores rurais que também são assentados e a 600 operários na fábrica. Os salários foram pagos pontualmente até o início do mês de fevereiro, inclusive o 13º salário. Pagamos mais de R$ 5,6 milhões de canas pertencentes a 2.200 agricultores familiares de nosso assentamento e mais de R$ 5,5 milhões a pequenos fornecedores que moem  cana  na nossa fábrica. Uma produção solidária e uma distribuição de renda também solidária num assentamento onde não há patrão, exploração, nem apropriação do trabalho e no qual cerca de R$ 20 milhões foram destinados aos pequenos (salários e cana) em apenas 05 meses de moagem.

 

6.    Além dos compromissos fundamentais com o pagamento de nossos salários, assumimos também compromissos aos quais damos a mesma importância : com a liberdade que conquistamos, com a sobrevivência da nossa empresa autogestionária e, particularmente, compromissos em pagar aos gestores dos recursos do povo brasileiro (Banco do Brasil e Conab) os créditos públicos que anualmente são acessados por milhares de trabalhadores junto ao Pronaf e ao PAA – Programa de Aquisição de Alimentos.

 

7.    Esses créditos, por decisão dos próprios trabalhadores, são essenciais nas entressafras e aplicados (1) na produção individual familiar (190 mil toneladas de cana; 1.900 cabeças de gado, 350 viveiros de peixe; 550 hectares de banana e diversas outras culturas); (2) na manutenção e na ampliação do canavial coletivo gerido pela Cooperativa, o qual foi desapropriado pelo Incra (233 mil toneladas) e que terá de ser pago pelos trabalhadores à União Federal como determinam as normas da reforma agrária; e (3) no reparo da unidade fabril do assentamento, ainda sob gestão da Massa falida, que é essencial para moer as canas do assentamento e dos assentados e para preservar empregos e renda dos 600 operários. Todas essas aplicações constam de prévios projetos que são submetidos e aprovados pelo Incra, pelo GERA – Grupo Estadual de Reforma Agrária e pelo Banco do Brasil 

 

8.    Desde 2004 entregamos anualmente o açúcar vendido diretamente pelos trabalhadores ao PAA/Conab, em valor total aproximado de R$ 19 milhões. Desde 2003, que todo ano foram pagos pontualmente ao Banco do Brasil cerca de R$ 9 milhões decorrentes do acesso individual ao Pronaf C por uma média de 1.500 trabalhadores a cada ano. No último dia 16, liquidamos, mais uma vez de forma pontual, R$ 5,9 milhões em pagamento do Pronaf A/C contraído em 2008 por 1.702 trabalhadores (as) junto ao Banco do Brasil.

 

9.    Nas safras de preço baixo do açúcar, como a de 2008/2009, os trabalhadores democraticamente decidem honrar o pagamento do crédito mesmo à custa de suspender provisoriamente o recebimento de seus salários, sempre com a preocupação da segurança alimentar através de cestas básicas. A inadimplência não faz parte do vocabulário de suas vidas e de seu projeto produtivo. Entendemos que essa atitude coletiva merece o respeito de todos, especialmente pelo MPT. Sobretudo quando vemos a economia mundial abalada por uma crise avassaladora, que está dizimando centenas de milhares de empregos em nosso País, exatamente porque nas nações ricas se perdeu a responsabilidade e a seriedade na gestão, no acesso e no pagamento de créditos bancários.

 

10.  Essa foi a decisão tomada pelos trabalhadores e por suas lideranças eleitas no início de fevereiro, sem o que os trabalhadores ficariam inadimplentes e, consequentemente, ficariam sem acesso ao crédito e não poderiam produzir, nem ter renda e nem salário durante a entressafra.

 

11. Diante dos questionamentos do MPT, essa decisão foi novamente confirmada por Assembléia Geral Extraordinária realizada no dia 16.03.2009, com o voto unânime de mais de 1.000 trabalhadores e com apenas uma abstenção, ratificando a diretriz de pagar o Pronaf A/C e retomar o pagamento dos salários neste dia 20.03.2009, como decidido por todos no início de fevereiro. A AGE foi filmada e entregue ao MPT para que não tivesse dúvida de que a decisão foi do próprio trabalhador.

 

12.  Nunca nos queixamos de não ter tido a participação do MPT nesses 16 anos em apoio à nossa luta para manter nossos empregos e para defender os nossos direitos que são ao mesmo tempo indisponíveis, individuais, coletivos e difusos. Mas não conseguimos compreender quando chegaram agora em nosso assentamento, no dia 04.03.09 :

 

12.1.     Adentrando em nossa casa com armamento pesado, sem nos conhecer, sem ouvir as nossas razões, constrangendo trabalhadores e suas lideranças e ignorando as nossas profundas diferenças em relação às 400 usinas e destilarias existentes no Brasil, divulgando para a opinião pública o que não somos e o que não fazemos;

12.2.     Que apenas poucos dias depois, ingressem na justiça para tentar nos impor uma multa milionária de R$ 10 milhões, alegando um inexistente “dano moral coletivo”, quando dano coletivo tem sido causado exatamente pela ampla divulgação que estão promovendo de suas interpretações equivocadas e distorcidas;

12.3.     Que ingressem na Justiça contra o nosso assentamento, quando por esse Brasil afora e em Pernambuco sempre prefiram tentar assinar um termo de ajuste de conduta quando tratam com empresas convencionais.

 

13. Precisamos muito do Ministério Público do Trabalho. Por exemplo, precisamos que nos ajude a sensibilizar o Judiciário Estadual, ao qual muito devemos desde a decretação falimentar, convencendo-o que já está mais do que na hora de encerrar esse processo de falência. Para nos orientar no que consiga nos mostrar com realismo que podemos fazer ainda melhor do que pudemos fazer, com muito orgulho, até aqui.

 

14. Não precisamos do MPT para nos mostrar a importância de pagar nossos próprios salários, pois para isso requeremos a falência judicial da usina em 1995 e, desde então, mantivemos viva a fonte de nossos empregos e de nossos salários, muitas vezes vencendo enormes privações como as decorrentes das grandes enchentes de 2000 e do incêndio em 2002, que quase destruíram o nosso projeto produtivo e que nos causou um prejuízo total superior a R$ 15 milhões cujos efeitos até hoje estão presentes. Superamos essas calamidades sem apoios governamentais, à custa de muita unidade, muito esforço e bastante sacrifícios, inclusive de salários atrasados.

 

15. Nós, os trabalhadores da Catende, também não precisamos do MPT para nos libertar, pois já nos libertamos por conta própria desde 1995, com a força de nossa luta e de nossas entidades sindicais e com o apoio indispensável do saudoso Gov. Miguel Arraes, da Justiça pernambucana e do Banco do Brasil que foi o primeiro síndico entre 1995 a 1997.

 

16. Temos um profundo respeito pelo Ministério Público do Trabalho e por seu relevante papel institucional. Manteremos esse respeito ainda que alguns dos seus procuradores consolidem a escolha pelo injusto litígio judicial e não consigam enxergar que têm muito a nos ajudar na defesa de nossos direitos. Muito mais, do que apenas pretender nos prejulgar, nos adjetivar e tentar nos impor injustas condenações e milionárias multas. Nós acreditamos numa nova escolha pelo Ministério Público do Trabalho e em desenvolver com ele uma relação parceira, solidária e respeitosa, como queremos e merecemos. Acreditem nisso também, senhores procuradores do trabalho.

 

ASSINAM : Diretores da Cooperativa Catende Harmonia; Administração Judicial da Massa Falida; Presidentes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Catende, Palmares, Água Preta, Jaqueira e Xexeú; Presidentes das 48 Associações das comunidades assentadas; Comissão de Fabrica representando os Operários

 

Em Catende, 20 de março de 2009

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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