A reportagem é de José Maria Tomazela e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-11-2008.
O ano de 2008 poderá ser o pior do governo Lula no quesito reforma agrária: quando assumiu, em 2003, com todas as dificuldades do início do mandato, o governo assentou 36,3 mil famílias. No total, em quase sete anos, o governo Lula pôs na terra 467,5 mil famílias, incluídas as deste ano. Mesmo sendo baixos ante o compromisso de assentar um milhão de sem-terra em oito anos, os números apresentados pelo governo ainda são contestados pelos movimentos de luta pela terra.
De acordo com Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), o governo incluiu na conta dos novos assentamentos a reposição de lotes desocupados em projetos antigos e a regularização de projetos de colonização agrária, alguns deles do período getulista.
É o caso de um projeto de colonização do município de Barra do Corda (MA), criado em 1942. Segundo Oliveira, as 947 famílias foram contabilizadas entre as 127,5 mil assentadas em 2005. Naquele ano, a reforma agrária teve o segundo melhor desempenho do governo Lula, atrás apenas de 2006, quando 136 mil receberam terra. Já em 2007, o total de famílias assentadas caiu para 67,5 mil.
REFLUXO
Para o diretor da Abra, se considerados os assentamentos “reais” - famílias de sem-terra que recebem o primeiro lote - os números são bem mais modestos. Este ano, o governo assentou até agora apenas 3.126 famílias, segundo ele. “Das 18.630 anunciadas, 9.196 são de assentamentos anteriores e 5.947, de projetos em áreas públicas, também antigos.” Fazendo o “expurgo” dos reassentamentos e das regularizações fundiárias - outorga de títulos de domínio a quem estava havia muito tempo na área - o número de famílias assentadas durante todo o governo Lula cai para cerca de 300 mil, afirma Oliveira.
Ele acha que a questão agrária saiu da pauta, não só do governo, mas também dos movimentos sociais. “O refluxo do movimento de massas e o fluxo dos recursos financeiros governamentais canalizados para políticas compensatórias, tipo bolsas disso e daquilo, parecem que estão aquietando aqueles que lutaram pela reforma agrária nos últimos 30 anos. É preciso que seja dito também que o silêncio das massas camponesas é intrigante.”
Segundo os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de ocupações de terras bateu o recorde em 2004, com mais de 76 mil famílias, e levou o governo a intensificar os assentamentos no ano seguinte, quando ocorreram 433 ocupações no País. Em 2006, foram mobilizadas 46 mil famílias, e em 2007, cerca de 37 mil. O número de famílias em acampamentos também despencou: em 2003, um total de 59 mil novas famílias foi para os acampamentos, enquanto em 2006, foram pouco mais de 10 mil. No ano passado, esse número caiu quase pela metade.
O Movimento dos Sem-Terra (MST) considera que a reforma agrária está paralisada. De acordo com Marina dos Santos, da coordenação nacional, “não existe um programa de reforma agrária em curso para assentar todas as famílias que têm interesse em plantar e produzir nem para eliminar o latifúndio”. Segundo ela, há dois projetos em disputa para a agricultura, que coloca em confronto o modelo do agronegócio e a pequena e média propriedade rural.
“O governo dá prioridade total ao agronegócio, com políticas de crédito especial e a renegociação das suas dívidas, deixando em segundo plano a reforma agrária.” De acordo com a líder, os assentamentos criados pelo governo se caracterizam como projetos de colonização, na região da Amazônia, ou iniciativas assistenciais para resolver conflitos locais.
“A paralisação da reforma agrária e a opção do governo pelo agronegócio obrigaram parte das famílias que querem plantar e produzir a saírem dos acampamentos, por causa da falta de perspectiva de serem assentadas”, disse. Mesmo assim, segundo ela, os trabalhadores rurais ainda querem terra e a reforma agrária, mas percebem que o quadro não é favorável.
Apesar disso, a coordenadora do MST diz que não há refluxo no movimento de massas. “Estamos fazendo protestos para denunciar que empresas estrangeiras querem dominar a agricultura e impor o modelo devastador e concentrador do agronegócio, com apoio do governo.” Ela destaca ainda que o movimento continua fazendo ocupações de terras e lutas pela reforma agrária, “que a imprensa não tem dado a atenção correspondente”.
Para a líder, os programas assistenciais do governo não estão entres os principais motivos da queda no número de ocupações, “e sim a paralisação da reforma agrária e a falta de perspectiva das famílias de serem assentadas”.
DADOS PARCIAIS
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que os dados sobre assentamentos em 2008 só serão fechados em janeiro de 2009 e considera prematura uma avaliação com base em dados parciais.
A superintendência do Incra em São Paulo informou que, neste ano, houve problemas técnicos relacionados ao Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e está ocorrendo uma revisão dos dados.