Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Entre os dias 16 e 23 de outubro, mais de 600 camponeses/as, indígenas e sem-terras, vindos de 60 países, reuniram-se em Maputo, Moçambique, durante a 5ª Conferência Internacional da Via Campesina, o principal evento da organização que acontece a cada 4 anos. Os que falavam hindu, árabe, francês, espanhol, inglês, português ou xangana, gritavam juntos pela mesma causa - “Soberania alimentar já! Com a luta e unidade dos povos!” – e dançavam juntos ao mesmo som: o dos tambores africanos.
O cenário encontrado no país sede da Conferência era o de uma Moçambique, cuja maioria da população é rural (70%), instigada com a chegada no país da “Revolução Verde”, impulsionada pelo governo local. Lá, a população tinha na ponta da língua uma opinião, contra ou a favor, do pacote de medidas que visa a “modernização” da agricultura, com o uso de máquinas e venenos.  “A Revolução Verde já passou por vários países e só causou destruição ambiental e social, migração do campo para a cidade, contaminação dos alimentos. A Revolução Verde é um fracasso do ponto de vista da soberania alimentar, a não ser que só faltasse chegar a Moçambique para que ela desse certo”, argumentou Ismael Ossumane, membro da UNAC (União Nacional dos Camponeses), entidade anfitriã da Conferência.
No entanto, em Maputo estavam presentes países que já vem sofrendo há muitos anos com a Revolução Verde, com a dominação de suas terras pelas transnacionais, com os agrotóxicos. Os representantes desses países levaram para a V Conferência da Via Campesina relatos assustadores de concentração de terra, migração, miséria e fome. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), por causa da disparada nos preços dos alimentos, o número de pessoas com fome no mundo subiu de 850 milhões para 925 milhões em 2007.
Como uma alternativa viável à este modelo de produção capitalista, a Via Campesina elabora e aplica o conceito da Soberania Alimentar, que segundo a organização, é o direito que as  pessoas têm de decidir suas próprias políticas para a agricultura, protegendo suas comunidades locais, seus meios de sobrevivência, a saúde e o meio ambiente. Tal conceito foi incorporado nas constituições ou leis nacionais de vários países como Equador, Bolívia, Nepal, Mali, Nicarágua e Venezuela, depois de reuniões e encontros organizados pela Via Campesina.
Os camponeses encontraram na crise financeira mundial uma oportunidade de provar que esse modelo de agricultura e de sociedade baseado na exportação e na especulação fracassou. “Muita gente perdeu a crença que tinha no neoliberalismo por causa das crises. Os camponeses estão mais dispostos agora a propor novos modos de produção” analisou Shamali Guttal, da índia, durante o painel de contexto internacional da Conferência. João Pedro Stedile, do MST, acrescentou dizendo que “a atual crise econômica mundial é um sintoma das contradições do capitalismo que podemos aproveitar. No entanto, o capitalismo não vai acabar com a crise e continuará a prejudicar os mais pobres”.
 A “Carta de Maputo”, documento final do encontro, sintetiza: “No seio da crise, as oportunidades se fazem presentes. Oportunidades para o capitalismo, que usa a crise para se reinventar e encontrar novas formas de manter suas taxas de lucro, mas também oportunidades para os movimentos sociais, que defendem a tese de que o neoliberalismo perde legitimidade entre os povos, e que as instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise, criando a possibilidade de que sejam desarticuladas e que outras instituições reguladoras da economia global surjam e atendam outros interesses”.
O êxodo rural e a juventude
Também em Maputo, nos dias 16 e 17, a juventude da Via Campesina realizou sua 2ª Assembléia de Jovens. Um dos temas mais apontados por eles durante as análises da situação dos países foi a migração do campo para a cidade. Segundo Paulo Mansan, da Pastoral da Juventude Rural, o aumento dos conflitos no campo - gerado pela expansão do agronegócio - somado à falta de condições básicas nas comunidades rurais, como educação, saúde e lazer - fazem com que o jovem saia cada vez mais do campo. Além disso, “o capitalismo trabalha com um processo de dominação cultural. Através do aparato midiático, constrói o falso consenso de que o campo é atrasado e a cultura camponesa retrógrada, aumentando assim a desmotivação dos jovens em permanecer na roça”, acrescentou Mansan.
No Japão, a decisão do governo em permitir a importação do arroz, principal atividade rural do país até então, levou à diminuição da produção, à queda do preço do arroz e, conseqüentemente, ao êxodo rural. No entanto, quando o jovem japonês chega à cidade, se depara com uma qualidade de vida muito inferior à do campo. “Muitos não conseguem emprego, são explorados, se alimentam mal e até entram em depressão” relatou Ayumi, jovem japonesa que participa da organização de pequenos agricultores Noumienren. Segundo ela, 60% da comida consumida no Japão é importada.
Os países pobres também estão perdendo seus jovens urbanos, que migram para lugares onde há “desenvolvimento”. De acordo com dados da Organização Internacional para a Migração, são mais de 200 milhões de pessoas que deixaram seus países de origem, na maioria das vezes para trabalhar como mão-de-obra barata em países centrais como Europa e Estados Unidos.
O deslocamento de povos rurais como conseqüência do modelo neoliberal preocupa a Via Campesina como um todo. Desde 2004, entrou em funcionamento a Comissão de Trabalho sobre Migração e Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais que realizou diversas ações contra o “muro da vergonha” que construíram os Estados Unidos.
Campanha mundial pelo fim da violência contra as mulheres
Também antecedeu a Conferência Internacional, a 3ª Assembléia das Mulheres da Via Campesina, nos dias 17 e 18, em Maputo. Elas lançaram a Campanha Mundial Pelo Fim da Violência Contra as Mulheres. “Ao lutarmos contra essa violência temos que lutar contra o neoliberalismo, que fortalece a opressão e a violência contra nós mulheres”, disse Sérgia Galván. Segundo o texto de apresentação da Campanha, “neste modelo de sociedade as mulheres sofrem mais, pois a elas foram delegadas as tarefas de cuidado com a família, a educação dos filhos e o trabalho doméstico. A sobrecarga destas responsabilidades somada ao trabalho profissional impõe às mulheres uma tripla jornada de trabalho”.
Adriana Mezarios, do Movimento das Mulheres Camponesas do Brasil, apontou os mecanismos que o capitalismo e o patriarcado utilizam para dominar as mulheres. Segundo ela, a dependência econômica – causada pelo desemprego ou subemprego; o casamento e a religião – que colocam a mulher como uma propriedade dos homens; o controle sobre o corpo – que determina se a mulher tem que ter filhos ou não, além de lucrar com a prostituição, são alguns elementos que diminuem a participação política da mulher. “E quando estes mecanismos não funcionam, quando uma mulher se nega a algum tipo de dominação, usa-se a violência”, concluiu.
A campanha tem como foco central todas as formas de violência, física ou psicológica, exercida contra as mulheres do campo, mas também quer dar visibilidade à violência praticada contra todas as mulheres do mundo. Ela terá um caráter de denúncia e pretende desmistificar a naturalização da violência. “Queremos mostrar que a violência é estrutural em uma sociedade capitalista e patriarcal”, dizem as mulheres.
Durante a Assembléia as mulheres discutiram também formas de acabar com a desigualdade dentro do próprio movimento. “Nos comprometemos, outra vez e com mais força a meta de alcançar a complexa, mas necessária, paridade de gênero real em todos os espaços e instâncias de participação, análises, debates e decisões na Via Campesina, e fortalecermos o intercâmbio, coordenação e solidariedade entre as mulheres de nossas regiões”, diz a “Carta de Maputo”.
Organicidade da Via Campesina
A 5ª Conferência Internacional da Via Campesina foi um espaço de deliberações, tomada de decisões e planejamento da organização. Ali, tomou posse a nova Comissão de Coordenação Internacional (CCI), com um representante de cada país. De acordo com Itelvina Masioli, nova integrante da CCI pelo Brasil, “estamos assumindo uma tarefa política e organizativa de muita responsabilidade que nossas organizações e regiões nos delegaram. Estamos assumindo em nome de milhões de trabalhadores”, disse em seu discurso no ato de posse. “Nos comprometemos com a soberania alimentar, e vamos lutar incansavelmente para que o alimento seja alimento e não mercadoria.”, disse Masioli, ao coordenar um juramento coletivo da CCI e dos delegados.
Segundo Henry Saragih, coordenador geral da Via Campesina, em cada continente, a Via Campesina tem mudado desde sua última conferência, em 2004, no Brasil. Na Ásia, o número de membros aumentou; na Europa, o movimento se consolidou e reorganizou sua estrutura. A força e a criatividade dos trabalhadores rurais na América Latina têm inspirado o movimento em todo o mundo. Na África, a Via Campesina esta crescendo, com sete novos países membros.
A CCI divulgou um informe político durante a Conferência fazendo um balanço das atividades que a Via Campesina realizou durante o último período. Entre elas se destacaram as mobilizações massivas contra a OMC (Organização Mundial do Comércio), contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs) em diversas partes do mundo, e contra o G8 em Rsotock e Hokkaido. As mobilizações brasileiras do 8 de março contra o deserto verde de eucalipto da trasnacional Aracruz, assim como a recente conquista do território que estava nas mãos da Syngenta para experimentos transgênicos, também mereceram destaque no informe da Coordenação.
Como uma ação concreta, ficou decidido que haverá mobilizações mundiais, em dezembro, para pressionar pela Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas da ONU. Será uma ferramenta no sistema legal internacional para fortalecer a posição e os direitos dos trabalhadores rurais de todo o mundo.
Fonte: MAB Nacional
 

 

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