Se a intenção do Ministério da Justiça ao mobilizar a Polícia Federal foi de antecipar-se a uma possível ação arbitrária e violenta da Policia Militar, pretendendo assim evitar a repetição de cenas lamentáveis de intolerância étnica e cultural, tal como ocorrido em abril de 2000 em Porto Seguro, nas comemorações dos 500 Anos (cujos registros fotográficos consternaram o Brasil e o mundo), não foi assim infelizmente que as coisas sucederam. Viu-se, ao contrário, em um contexto político federal e estadual completamente distinto, a re-edição daquele triste episódio, contribuindo apenas para sinalizar aos regionais o desrespeito com que são tratadas as famílias indígenas e o completo desapreço por seus direitos, seus bens e sua segurança e bem estar. Pior, através da feroz perseguição ao cacique Rosivaldo Ferreira (Babau), exibiu-se explicitamente o ódio de que são vítimas os legítimos representantes e porta-vozes do segmento indígena da sociedade brasileira.
Fica claro o total desconhecimento pela força-tarefa da PF tanto das peculiaridades do caso quanto da inexistência de uma indispensável sintonia com as ações desenvolvidas pela FUNAI e por outros órgãos governamentais. Enquanto a PF se enredava em uma escala repressiva e passional, a FUNAI e a Procuradoria Geral da República haviam conseguido suspender na justiça as liminares de re-integração de posse, obtendo um novo prazo para a conclusão dos estudos técnicos ora em realização na região. Uma conceituada antropóloga, indicada como perita pela ABA, encontra-se atualmente em campo, integrando uma equipe técnica da FUNAI para conclusão dos estudos de identificação.
Dentro desta área, conflagrada pela desastrada intervenção da PF, existem casas, lavouras, escolas, posto de saúde, galpões e construções destinadas ao beneficiamento da produção agrícola e programas de preservação ambiental, inclusive com investimentos do MEC, FUNASA, MDA e MMA. O cacique Babau, que está sendo perseguido como um perigoso facínora, constitui uma das mais expressivas lideranças do movimento indígena brasileiro, uma personalidade bastante conhecida dos antropólogos pela lucidez e coerência com que argumenta e defende a valorização do patrimônio das culturas indígenas. É fundamental reverter os efeitos lesivos das ações praticadas pela PF, apurando responsabilidades, garantindo a segurança dos líderes indígenas, de pesquisadores, indigenistas e funcionários que atuam na assistência a essas coletividades, implementando com a maior brevidade todas as iniciativas necessárias ao reconhecimento dos direitos indígenas. Assossiação Brasileira de Antropologia (ABA)