Confira a íntegra da mensagem aos movimentos sociais enviada pelo presidente da Bolívia Evo Morales durante a Jornada Continental de Solidariedade à Bolívia no III Fórum Social das Américas, na Guatemala.
"Mensagem do presidente Evo Morales à Jornada Continental de Solidariedade à Bolívia, Cidade de Guatemala, 9 de Outubro de 2008
Irmãs e irmãos, em nome do povo da Bolívia, saúdo os movimentos sociais do continente, presentes neste ato da Jornada Continental de Solidariedade à Bolívia.
Acabamos de sofrer a violência da oligarquia, que teve sua mais brutal expressão no massacre de Pando, feito que nos ensina que ostentar o poder na base do dinheiro e das armas para oprimir o povo não é sustentável. Facilmente se derruba, se não é baseado num programa e na consciência do povo.
Para manter seu poder e privilégios e impedir o processo de transformação, as oligarquias latifundiárias da chamada \'media luna\' se encobrem nas autonomias departamentais e na divisão da unidade nacional, prestando-se aos interesses yanques de acabar com a re-fundação da Bolívia.
Mas, no referendo revocatório de 10 de agosto, acabamos de receber o mandato de dois terços do povo boliviano, para consolidar este processo de transformação, para seguir avançando na recuperação de nossos recursos naturais, assegurando o Viver Bem para todas as bolivianas e bolivianos, e unindo os distintos setores do campo e da cidade, de oriente a ocidente.
Irmãs e irmãos, o que se passou no referendo revocatório na Bolívia é algo importante não somente para os bolivianos, mas para todos os latino-americanos. Dedicamo-lo a todos os revolucionários da América Latina e do mundo, reivindicando a luta de todos os processos de transformação.
Eu vinha falando sobre como recuperar a vivência de nossos povos, chamado de Viver Bem, recuperar nossa visão sobre a mãe terra, que para nós é vida, porque não é possível que um modelo capitalista converta a mãe terra em mercadoria. Cada vez mais vemos profundas coincidências entre o movimento indígena e as organizações dos movimentos sociais, que apostam também no Viver Bem. Convocamo-los para que de maneira conjunta possamos buscar certo equilíbrio no mundo.
E dentro deste marco, quero compartilhar e propor para debate estes 10 mandamentos para salvar o planeta, a humanidade e a vida, não somente neste momento, mas também para debater com nossas comunidades, com nossas organizações.
Primeiro, se queremos salvar o planeta Terra para salvar a vida e a humanidade, temos a obrigação de acabar com o sistema capitalista. Os graves efeitos da mudança climática, das crises energéticas, alimentares e financeiras, não são produto dos seres humanos em geral, mas sim do sistema capitalista vigente, desumano com seu desenvolvimento industrial ilimitado.
Segundo: renunciar à guerra, porque das guerras os povos não saem ganhando, só ganham os impérios, não ganham as nações, mas sim as transnacionais. As guerras beneficiam a pequenas famílias e não aos povos. Os trilhões de milhões que se destinam à guerra devem ser destinados para reparar e curar a mãe terra que está ferida pela mudança climática.
Terceira proposta para o debate: um mundo sem imperialismo nem colonialismo, onde as relações dever ser orientadas no marco da complementaridade, levando em conta as profundas diferenças que existem de família para família, de país para país, e de continente para continente.
O quarto ponto está orientado ao tema da água, que deve ser garantida como direito humano, evitando sua privatização em poucas mãos, já que a água é vida.
Como um quinto ponto, quero dizer-lhes que devemos buscas uma forma de acabar com o desperdício de energia. Em 100 anos estamos acabando com a energia fóssil criada durante milhões de anos. Como alguns presidentes reservam terras para automóveis de luxo e não para o ser humano, devemos implementar políticas para frear os agrocombustíveis e desta maneira evitar a fome e a miséria para nossos povos.
Como sexto ponto: respeito à Mãe Terra. O sistema capitalista trata a Mãe Terra como uma matéria-prima, mas a terra não pode ser entendida como mercadoria. Quem poderia privatizar ou alugar, fretar a própria mãe? Proponho que organizemos um movimento internacional em defesa da Mãe Natureza, para recuperar a saúde da Mãe Terra e restabelecer a vida harmônica e responsável com ela.
Um tema central como sétimo ponto para o debate é que os serviços básicos, ou seja, água, luz, educação, saúde devam ser encarados com um direito humano.
Como oitavo ponto, consumir o necessário, priorizar o que produzimos e consumimos localmente, acabar com o consumismo, o desperdício e o luxo. Devemos priorizar a produção local para o consumo local, estimulando o auto-sustento e a soberania das comunidades dentro dos limites que a saúde e os recursos escassos do planeta permitam.
Como penúltimo ponto, promover a diversidade de culturas e economias. Viver em unidade, respeitando nossas diferenças, não somente fisionômicas, como também econômicas, economias manejadas pelas comunidades e as associações.
Irmãs e irmãos, como décimo ponto, propomos o Viver Bem, não viver melhor a custa do outro, um Viver Bem baseado na vivência de nossos povos, nas riquezas de nossas comunidades, terras férteis, água e ar limpos. Fala-se muito no socialismo, mas deve-se melhorar esse socialismo do século XXI, construindo um socialismo comunitário ou simplesmente o Viver Bem, em harmonia com a Mãe Terra, respeitando as formas de vivência da comunidade.
Finalmente, irmãs e irmãos, seguramente vocês estão dando divulgação aos problemas que existem. Chego à conclusão que sempre haverá problemas, mas quero dizer-lhes que estou muito contente, não decepcionado nem preocupado, porque esses grupos que permanentemente escravizaram nossas famílias durante a colônia, a república e na época do neoliberalismo, seguem agrupados em algumas famílias, confrontando-me.
É nossa luta enfrentar esses grupos que vivem no luxo e não querem perder o luxo, perder suas terras. É uma luta histórica e ainda segue esta luta.
Irmãs e irmãos, esperamos que esta Jornada Continental do II Fórum Social das Américas culmine com fortes laços de unidade entre todos vocês e com um firme Plano de Ação a favor do povo da Bolívia e todos nossos povos, reitero minha saudação fraternal.
Evo Morales Ayma
Presidente da República da Bolívia"