Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Brasília amanheceu, nesta quarta (16), com 100 mil mulheres caminhando em passeata até o Congresso Nacional. Com chapéus de palha e roupas de cor lilás dando o tom estético do ato, a sétima edição da Marcha das Margaridas – composta por agricultoras, ribeirinhas, quilombolas, indígenas, marisqueiras, entre outras – tem como tema “Pela reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver”. Participam, ainda, representantes de movimentos populares de 33 países.  

Por Cristiane Sampaio e Gabriela Moncau
Do Brasil de Fato | Brasília (DF)

A agricultora Neri dos Santos viajou do Acampamento produtivo do MST, Dom Tomás Balduíno, em Formosa (GO), para participar do ato, cujas atividades começaram na terça (15). “Estou aqui lutando pela terra”, ressalta ela, que há oito anos espera que sua comunidade seja regularizada como assentamento da Reforma Agrária. 

“É difícil, mas quem quer as coisas tem que correr atrás. A gente tem filho, tem neto, e a gente precisa de uma terra para sobreviver dentro dela. Na cidade não dá para viver”, diz a camponesa. Para Neri, que participa do ato há anos – “em todas as Margaridas eu estou dentro” – o fim da violência contra as mulheres é ponto central da luta das mulheres da cidade, do campo, da floresta e das águas. 

“Estupro, feminicídio, as coisas muito difíceis. Então a gente precisa lutar para não ver as companheiras morrerem, como estão morrendo. Não é fácil, além de trabalhar, ainda ser morta pelo companheiro”, denuncia. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 1.437 feminicídios no país em 2022, um aumento de 6,1% em relação ao ano anterior.  

Walkíria Alves foi para a Marcha das Margaridas saindo da cidade de Cabo de Santo Agostinho (PE), onde, segundo ela, 35% da população vive na área rural. Os saberes do trabalho com a terra passaram por gerações de sua família até chegaram a ela. Seus avós são da área rural de Garanhuns, agreste pernambucano. Hoje Walkíria está a frente da Secretaria de Mulheres do seu município. 

“A gente está aqui porque, além de serem as nossas raízes, estamos na retomada da democracia neste momento de luta, de estarmos juntas e de dizer que a gente não vai aceitar nenhum direito a menos”, diz Walkíria. 

Aos 73 anos, Josefa Fernandes da Silva viajou por dois dias partindo de Juripiranga (PB) para presenciar sua primeira edição da Marcha das Margaridas. “Eu vim por conta da despeita que os homens têm com as mulheres e pela luta por nossos direitos”, salienta. “A gente veio conquistar aquilo que a gente deseja e necessita. Igualdade, paz, democracia, um futuro melhor e o bem comum”, expõe.

Com uma máscara de pano vermelha pendurada no pescoço e um chapéu na cabeça, Josefa pontua que “as mulheres sofrem muito com a desfeita dos homens e dos poderosos. Por isso, a gente sempre se uniu”. 

Reivindicações 

Organizada a cada quatro anos desde 2000 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), desta vez a Marcha das Margaridas está em Brasília no intuito de receber respostas do governo a respeito de um conjunto de reivindicações entregue no último 21 de junho.  

Composto por 13 pontos, o caderno com as pautas da Marcha de 2023 foi entregue em um evento com a participação de 13 ministras e ministros e também ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.    

Entre os eixos estão a autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e a sua sexualidade; justiça ambiental e climática; autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética; democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios; e universalização do acesso à internet. Em um caderno de 52 páginas, cada um desses pontos é detalhado com propostas de ações e políticas públicas. 

No final da manhã desta quarta (16), o presidente Lula (PT) discursou às manifestantes na Esplanada dos Ministérios. Entre as medidas anunciadas, está a prioridade que será dada a mulheres na seleção dos beneficiários do Plano Emergencial de Reforma Agrária.  

O governo federal informou também que serão criados o Programa Nacional Quintais Produtivos (que visa promover autonomia econômica de agricultoras) e o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios.

Enquanto ouvia o discurso presidencial, a professora e agricultora familiar Fátima Costa disse que valeu a pena sair do Piauí para participar da mobilização. “É isso que a gente espera”, comentou ao escutar o petista dizendo que as mulheres podem contar com a gestão para garantir políticas para o campo. “Porque a agricultura familiar sofreu muito nos últimos anos”, disse. 

“Na minha terra, por exemplo, o terreno favorece a construção de açudes, a criação de peixe e de abelha”, exemplifica a militante a respeito das políticas públicas demandadas pelo segmento no local. 

O nome da marcha homenageia Margarida Maria Alves, que presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba, e foi assassinada em 12 de agosto de 1983, a mando dos latifundiários da região. Profética, Margarida costumava dizer que “é melhor morrer na luta do que morrer de fome”.   

Edição: Thalita Pires

 

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