São Paulo – A liberação de organismos geneticamente modificados no mercado brasileiro tornou-se ainda mais fácil desde a última quinta-feira (9). Na ocasião, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) publicou a Resolução Normativa nº 24, que dispõe sobre normas para liberação comercial e monitoramento desses organismos mais conhecidos como transgênicos.
Baixada em 7 de janeiro, a nova norma que passou praticamente despercebida vai colocar definitivamente a raposa da cadeia do agronegócio e da indústria farmacêutica, entre outras, para vigiar o galinheiro criado para liberar experimentos e a comercialização de sementes, insetos, leveduras, bactérias e outros micro-organismos derivados de modificação genética em laboratórios.
“Uma primeira leitura desta resolução indica que a intenção é agilizar a aprovação para uso comercial de OGMs, sendo que os estudos a serem feitos para comprovar o nível de risco associado a um determinado produto comercial – é disso que se tratam os OGMs – deverão ser realizados pelas empresas que os querem colocar no mercado”, avalia o professor e pesquisador Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).
“Dificilmente empresas que querem aprovar o uso comercial deste ou daquele OGM vão estimar corretamente os níveis de risco, perigo e dano ao ambiente e à saúde humana que os mesmos trazem com sua liberação para uso comercial”.
Pedlowski chama atenção para o fato de que o desenvolvimento de OGMs, “apresentado com pompa e circunstância pelas empresas que controlam o estoque de sementes em nível global”, tem como justificativas a diminuição da quantidade de agrotóxicos nas extensas áreas de monocultura e o aumento da produtividade.
“Entretanto, a literatura científica já ofereceu evidências robustas de que a adoção de OGMs levam ao aumento do consumo de agrotóxicos. E mesmo que gerando colheitas maiores inicialmente, muitos transgênicos não passam no teste da longevidade por causa da resistência dos seus predadores naturais, levando ao aumento no uso de agrotóxicos que não impede a diminuição dos retornos”, diz o pesquisador. “Em outras palavras, são uma espécie de irmãos siameses dos agrotóxicos, com o resultado adicional de gerar efeitos ainda piores sobre o ambiente e os seres humanos.”
Propaganda
E destaca o poder econômico e político de corporações que controlam o mercado global de sementes, usado para impedir a publicação de estudos científicos que coloquem em questão a propaganda oficial em torno dos benefícios desses organismos geneticamente manipulados para garantir lucros e para dificultar o debate acerca dos impactos humanos e ambientais da disseminação de OGMs na agricultura.
Em 2012, cientistas chefiados por Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, publicaram estudo inédito que demonstrou efeitos crônicos em ratos alimentados com milho transgênico NK 603 e o herbicida Roundup (glifosato), ambos da Monsanto. A revista científica Food and Chemical Toxicology publicou o estudo, que acabou “despublicado” devido a pressões da Monsanto. Entre elas, mudança no conselho editorial da publicação, com a entrada de um ex-funcionário da empresa. Houve também grande campanha de desqualificação técnica do trabalho e dos pesquisadores,
Dois anos depois, a revista Environmental Sciences Europe publicou o estudo de Séralini, em versão expandida, com a manutenção das conclusões originais. Clique aqui para acessar.
“Afora o debate científico que ainda é inconclusivo, há que se lembrar que a União Europeia não permite o uso direto por seres humanos de produtos que tenham sido geneticamente modificados, sendo que esses produtos alterados podem ser apenas usados como ração animal. Com essa inevitável ampliação da liberação de novos OGMs na agricultura brasileira, é bem provável que as restrições às commodities agrícolas brasileiras aumentem, e não apenas na UE, mas em outros mercados como o chinês. Como nada parece demover o governo Bolsonaro de transformar o Brasil em uma espécie de banheira química onde são jogados agrotóxicos banidos em outras partes do mundo e OGMs, a única saída será o fortalecimento da resistência popular que já se expressa nas chamadas sementes crioulas. Do contrário, os prejuízos para o Brasil serão incalculáveis”.
Inconstitucional
Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a CTNBio foi criada pela Lei 11.105, de de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança), que retirou competências da União, sobretudo do Ibama e da Anvisa, quebrando o Sistema Nacional de Meio Ambiente ao concentrar as decisões sobre transgênicos nas mãos dessa supercomissão com poder de dar a palavra final sobre o tema.
Em 20 de junho daquele ano, a Procuradoria-Geral da República propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3526) . O então procurador-geral, Claudio Fonteles, acolheu representação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e do Partido Verde (PV), que contesta 24 dispositivos da Lei de Biossegurança.
Desde que foi criada, a comissão de biossegurança nunca negou nenhum pedido de liberação comercial. E desde então vive às voltas com denúncias de irregularidades e conflitos de interesses envolvendo principalmente seus dirigentes.
Por Cida de Oliveira
Da Rede Brasil Atual