O modelo adotado para implantação de usinas de geração de energia solar - que têm se espalhado no semiárido nos últimos anos— tem trazido problemas sociais e ao meio ambiente.
O que aconteceu:
A energia é limpa e renovável, porém os parques precisam desmatar grandes áreas para serem erguidos e isso gera problemas às comunidades vizinhas, dizem pesquisadores e moradores.
O problema não é o uso da energia solar, mas, sim, o modelo de grandes empreendimentos. Isso limitou, por exemplo, o acesso à energia solar para pequenos produtores e criadores. Quem mora nessas regiões alega que não tem direito a ser abastecido pela energia solar.
Dessa forma, as casas seguem energizadas pelo modelo convencional, sem vantagem.
O que dizem moradores
Santa Luzia (PB) é um exemplo de cidade com uma grande usina de geração que tem sofrido com os impactos.
José Aderivaldo, 37, professor do ensino médio no local, cita que a obra causou a destruição de espécies nativas da caatinga. "Minha residência fica na zona urbana, e tenho observado abelhas buscando água nas flores do jardim da minha residência. Nunca tinha observado isso", afirma o professor.
"A usina está situada na extensão de pouco mais de 20 propriedades rurais. Portanto, o número de beneficiados com o arrendamento é muito baixo, e o custo ambiental é pago por toda a sociedade com as perdas de cobertura vegetal, de animais nativos e de espaço para a criação de gado extensivo." José Aderivaldo, professor em Santa Luzia (PB).
Deuziene Helena Araújo, 52, é agente de saúde e atua ao lado de uma usina no município de Malta (PB). Ela classifica a chegada do parque de geração como uma "catástrofe ambiental". Houve desmatamento e soterramento de açudes. Agricultores foram obrigados a se deslocar do sítio em que viveram por mais de 30 anos. Muitos deixaram de vender para a feira de agricultura alimentar e ficaram depressivos porque não têm mais onde plantar." Deuziene Helena Araújo, agente de saúde em Malta (PB).
Outra reclamação é que os benefícios da geração da energia limpa e mais barata não chegam às comunidades. "Só os grandes comerciantes usufruem; nenhuma pessoa de programas sociais consegue ter acesso a essa energia". Deuziene Helena Araújo, agente de saúde.
O que propõem entidades locais
A sociedade civil tem se unido para reivindicar o que chama de democratização da produção de energia. A proposta seria criar pequenas gerações comunitárias, e não modelos concentradores de maiores impactos. Uma solução seria financiar e estimular projetos de pequeno porte para comunidades. Assim, elas instalariam pequenas usinas para abastecimento local, não para vender ao SIN (Sistema Interligado Nacional). Segundo Vanúbia Martins, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) da Paraíba, um dos problemas que essa expansão traz é que os empreendimentos buscam sempre regiões ricas em água.
"As famílias estão sendo 'seduzidas' a fazer contratos, e vamos perder espaço de produção de alimento onde existe possibilidade de irrigação."Vanúbia Martins, CPT.
Para Ricélia Sales, doutora em Recursos Naturais e professora da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande), a crítica feita não é à forma de gerar energia —que é limpa e renovável—, mas ao modelo de instalação de grandes empreendimentos que avança na região. "O problema é que tanto as usinas solares como as eólicas partem de um mesmo processo, centralizado", diz ela, que integra o Comitê de Energia Renovável do Semiárido (Cersa).
"Esses grandes parques usam a mesma configuração, de suprimir a natureza. Diferentemente da geração por meio de usinas menores e distribuídas, esses projetos solares ocupam maior extensão até que os eólicos, e isso faz com que o impacto do desmatamento seja ainda maior.Ricélia Sales, UFCG.
O pesquisador Rodrigo Guimarães, da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), diz ver com preocupação a previsão de grande ampliação da produção de energia solar para o estado, que é hoje o principal gerador de energia eólica. "O estado não conta com um instrumento de ordenamento territorial —o zoneamento ecológico-econômico— para orientar a tomada de decisão em relação à localização desses empreendimentos", diz.
"As áreas degradadas ou em processo de desertificação que poderiam ser menos impactadas por esses empreendimentos, não são necessariamente as escolhidas por eles, tendo outros fatores que direcionam essa escolha, por exemplo a questão logística da existência de linhas de transmissão". Rodrigo Guimarães, da UERN.
Por que o semiárido?
A escolha do semiárido tem uma explicação geográfica: a região é a que concentra o maior potencial de geração de energia solar no país, segundo o Altas Brasileiro de Energia Solar.
Até fevereiro, os cinco estados com mais geração de energia já instalada no modelo centralizado são localizados no semiárido:
MG - 2.291 Mw já em operação
PI - 1.463 Mw
BA - 1.356 Mw
CE - 709 Mw
RN - 267 Mw
Fonte: Aneel/Absolar
Ainda em fevereiro, a energia solar foi responsável por 2,7% da oferta de geração nacional, segundo a Absolar.
Outro lado
A coluna enviou na semana passada pedido para que a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) indicasse alguém para comentar sobre as alegações de moradores e pesquisadores, mas não obteve retorno. Já as duas usinas citadas por moradores também foram procuradas na última semana. No caso do parque em Santa Luzia, o Grupo Rio Alto pediu para que a demanda fosse mandada por e-mail, mas até o momento não houve retorno. O parque de Malta pertence a um grupo investidor alemão, e o único telefone da empresa no país não estava completando a chamada.
Fonte: UOL
Reportagem: Carlos Madeiro