* Dom Luiz Cappio
A Pax Christi na Europa e em outras partes é muito respeitada. Criada por católicos ao final da 2ª Segunda Guerra para promover a reconciliação e a paz entre franceses e alemães, tornouse importante influência em processos de paz em todo o mundo. Pela terceira vez dá o prêmio a brasileiros. Os dois anteriores postumamente: à líder camponesa Margarida Alves e ao embaixador Sérgio Vieira.
É inegável, o prêmio significa reconhecimento internacional da nossa luta. E perturba o governo Lula lá fora. Ele planta a idéia de que a transposição é fato consumado. Porém, um ano depois, os militarizados canais não atingiram dois quilômetros. A crise econômica ameaça esta e outras obras do PAC.
Dizem que a transposição divide o Nordeste e que o “Rio da Integração” virou “Rio da Discórdia”. O prêmio Pax Christi sugere outra visão. Na verdade, somos um mesmo semiarido, na Bacia do São Francisco e no Nordeste setentrional, buscando e criando, por mãos populares, um modo alternativo e viável de vida e produção. Trata-se de “envolvimento” mais que de “desenvolvimento”. Quem promove a desintegração são as elites, com um “novo” regionalismo em torno da seca, em disputa por recursos públicos. Continuam as mesmas, oligárquicas e predatórias, tal como sempre foi a “indústria da seca”. A faraônica e interminável obra é sua principal cartada. A água, o bem mais precioso, virou moeda a se privatizar com a transposição, para valorizar frutas nobres, “cana-de-etanol”, camarão e ligas de aço para exportação, especulação financeira e polít ica. Tudo isso, para a o Rio e o povo pagarem a conta.
Estão sendo anunciados outros prêmios para nossa luta – Cidadão Mundial Kant (Alemanha) e Condômino do Planeta (Portugal). Continuamos na contracorrente de um mundo em crise sob domínio de minorias poderosas e inescrupulosas, que insistem em reciclar seu falido sistema. Para além dos mercados e novos apartheids, afirmamos a reconciliação e a paz entre pessoas, comunidades, regiões, com as águas, a terra e a natureza. Sofremos com a fragilização das mediações políticas e sociais, com a distorção dos canais de participação popular, mas estamos recuperando com o jejum e oração a Firmeza Permanente e a Não-Violência Ativa e Solidária, “armas dos desarmados”.
Dimensões fundamentais da vida e da luta estão sendo redescobertas, como em Sobradinho, a alegria contagiante do povo.
Fonte: Jornal A Tarde