Mais de quatro mil indígenas, representando 305 povos, estiveram reunidos em Brasília no 15º Acampamento Terra Livre (ATL). Vindos de todas as regiões do país e tendo, inclusive, representações internacionais, os indígenas realizaram uma série de atividades e atos políticos denunciando os ataques dos três poderes aos direitos dos povos originários e cobrando maior atenção para suas reivindicações.
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
Este ano, antes mesmo de seu início, o ATL já chamava atenção por conta o pedido feito pelo general Augusto Heleno, responsável pela GSI (Gabinete de Segurança Institucional), ao Ministro da Justiça, Sérgio Moro, para o uso da Força Nacional na praça dos três poderes por 33 dias.
A medida autorizada por Moro buscava coibir os atos que os povos indígenas estavam programando. No entanto, a atitude não foi suficiente para barrá-los. “Não vamos nos intimidar para nenhum governo opressor”, afirmou Sônia Guajajara, Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante abertura do acampamento.
Como prova da legitimidade das reivindicações indígenas, os três dias do ATL ocorreram sem nenhum incidente que justificasse o pedido do governo. “Não atribuímos esta tranquilidade a uma aceitação do governo às nossas pautas. Ela é resultado da trajetória do acampamento, mostra que somos um povo que sabe fazer luta por meio da democracia”, ressaltou a indígena.
Guajajara ainda completou: “Chegamos em Brasília para mostrar como se faz uma verdadeira democracia, garantindo a participação, a diversidade, marchando, cantando e dançando, porque é assim que se faz a luta”.
Uma das pautas centrais este ano é a defesa da FUNAI. O órgão é alvo de intensos ataques do governo Bolsonaro com intenção de realizar o desmonte e a instrumentalização da instituição. Hoje, a FUNAI está sob o comando do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), comandado por Tereza Cristina, uma das principais representantes do agronegócio em Brasília. O ATL reivindica a volta da FUNAI ao Ministério da Justiça, assim como as competências para demarcação das terras indígenas e de licenciamento, alterando, assim à medida provisória - MP 870/19.
Sônia Guajajara criticou a forma de atuação adotada pelo governo Bolsonaro, que retoma uma política usada na época da ditadura. “Falam que os índios querem ser produtores, arrendarem suas terras, que queremos ser “gente igual eles”. Temos nosso próprio modo de vida, nossa cultura, o que queremos é somente o respeito a estes direitos”, afirma a liderança indígena.
O ATL denunciou também o ataque da bancada ruralista aos povos indígenas feito pela Frente Parlamentar Agropecuária, que está acelerando a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental junto com os ministérios do Meio Ambiente, Infraestrutura e Agricultura.
O projeto busca isentar atividades impactantes de licenciamento e estabelece em uma única etapa as três fases de concessão, alterando profundamente o processo de emissão dessas autorizações em todo o país. Se aprovadas, estas medidas impactarão fortemente as terras indígenas e seus entornos.
Ainda referente ao Congresso Federal, o ATL exigiu o arquivamento de todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, assim como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 215/00 e os PLs (Projetos de Lei) 1610/96, 6818/13 e 490/17, todas voltados a suprimir os direitos indígenas fundamentais.
Além disso, os 305 povos presentes também cobraram a manutenção da política de saúde indígena do SUS, de responsabilidade federal, com o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Recentemente, o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, tentou municipalizar ou estadualizar o atendimento à saúde dos povos indígenas, atitude esta que a APIB foi contra. No âmbito da educação, foi defendido uma efetiva política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade.
Ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ATL pautou o respeito aos seus direitos no julgamento Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng. Os indígenas esperam que o caso, considerado de repercussão geral pela Corte, seja julgado de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) excluindo, em definitivo, a tese do Fato Indígena (Marco Temporal).
“Não temos a garantia que nossas pautas serão atendidas”, ressalta Sonia Guajajara. Para a indígena, é fundamental que os povos originários permaneçam em constante vigilância. “Vamos juntar os movimentos que estão sendo atacados e criar uma unidade da diversidade, dos povos, para, assim, enfrentarmos todos inimigos que se colocarem contra nós”, finaliza Guajajara.
Marcha das Mulheres Indígenas
O 15º Acampamento Terra Livre também foi espaço de articulação e organização das mulheres indígenas. No dia 25 (quinta-feira), as indígenas realizaram a sua plenária, na qual reafirmaram a organização da Marcha das Mulheres Indígenas. A atividade está prevista para ser realizada em agosto deste ano. Como lema, as mulheres indígenas trazem a palavra de ordem: “Território: nosso corpo, nosso espírito”.