Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

No dia 13 de maio de 2016, exatos 128 anos após a abolição formal e inconclusa da escravidão, o presidente em exercício Michel Temer, realizou mudança substancial na política de titulação dos territórios quilombolas. Conforme o texto da Medida Provisória nº 726/16, a atribuição para a realização da titulação dos territórios quilombolas passa a ser parte das competências do Ministério de Educação e Cultura, fato que pode retirar do INCRA a missão institucional de reconhecer os direitos à terra que a Constituição Federal de 1988 reconheceu aos quilombolas.

 

Segue, na íntegra, Nota Pública da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ:

Não bastasse o Brasil ter sido o último país das Américas a abolir o regime escravocrata, assim como a falsa ‘abolição’ que ‘deu’ a liberdade aos negros (as), mas não lhes garantiu direitos fundamentais, como acesso à terra, à moradia, educação, enfim, às condições necessárias que permitissem exercer uma cidadania de fato, em pleno 13 de maio de 2016, assistimos uma estratégia orquestrada entre a elite brasileira, Senado, Congresso e o Judiciário rasgando a CF de 88 diante dos nossos olhos e com chances reais de um retrocesso sem proporção aos direitos humanos, civis e sociais, quando as políticas públicas sociais são leiloadas pelo Presidente Interino Michel Temer no Brasil. Ainda sem entender quais acordos levaram o Presidente Interino a entregar a Pauta Quilombola para o Ministério da Cultura e Educação, que por sua vez tem a frente o Deputado Federal Mendonça Filho (DEM-PE), voltamos ao ano 2000 na era FHC que cometiam o ‘erro’ de uma visão equivocada da forma de existência e organização dos quilombos no país. Lamentamos e não aceitamos que fique sob a competência deste Ministério e deste senhor, delimitar e demarcar os territórios quilombolas no Brasil, pois com isso o INCRA perde a atribuição pela titulação.

A Pauta de demarcação de Territórios Quilombolas no MINC com o DEM é a certeza que nenhuma titulação irá avançar, nenhum território será titulado, pelo contrário tememos perder o pouco que conquistamos nesses longos anos de luta, pois, é sabido que o DEM juntamente com a Bancada Ruralista é contra os (as) quilombolas, pois defendem os seus interesses próprios e do Agronegócio, grandes latifúndios, grandes empresas e não a permanência nos Territórios dos (as) quilombolas.

O atual Ministro e seu Partido, na época PFL, move uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que se arrasta há mais de 12 anos no STF, em face do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação dos Territórios quilombolas que é objeto do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e tememos que diante do cenário político atual, onde todo o direito do povo é ‘revisto’ é retirado para atender os interesses dos que sempre foram privilegiados, e na ‘agilidade’ do Congresso e Senado em votar pautas de seus interesses, recaia sobre nós quilombolas a conta desses acordos para a possível governabilidade do Presidente Interino Michel Temer.

É obrigação do Estado, agir positivamente para alcançar o resultado pretendido pela Constituição, ora por medidas legislativas, ora por políticas e programas implementados pelo Executivo são garantias dos direitos para nós quilombolas.

Está em curso um retrocesso inimaginável com um prejuízo histórico aos mais de 5 mil quilombos com aproximadamente 16 milhões de pessoas no Brasil, e convocamos todos (as) quilombolas, parceiros, apoiadores, lutadores (as) do povo, todos os irmãos e irmãs quilombolas das Américas, aos órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos e da vida, a lutar conosco contra esse Golpe a Democracia brasileira, contra esse Golpe aos Direitos dos (as) quilombolas, contra esse Golpe que extinguiu SEPPIR, SPM, SDH, MDA e MDS, contra o Golpe arquitetado por políticos racista, ruralista, machista, homofóbicos, intolerantes que excluem e não respeitam os votos de mais de 54 milhões de brasileiros (as).

Somos detentores (as) da Ancestralidade, exigimos respeito pelo nosso templo sagrado que é nosso Território, com nossa fé, nossa cultura e nosso modo singular de viver.

Precisamos é de mais políticas públicas, de mais titulações de território quilombolas, de mais educação, saúde, moradia, saneamento, um meio ambiente saudável e sustentável, de respeito as nossas tradições e a história oral de um povo, precisamos é do bem viver em nossos quilombos e não voltar ao descaso, esquecimento, abandono e mazelas como sempre foi feito em governos anteriores e por isso exigimos:

- Que a Pauta Quilombola retorne imediatamente ser competência do INCRA, para titular os Territórios Quilombolas, dentro da nova fusão dos Ministérios Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social e Combate a Fome;

- Que fica sob a competência do MINC através da FCP a pauta sobre as Certificações dos Quilombos;

- O reconhecimento de nós quilombolas como Público da Reforma Agrária, conforme a Portaria nº 175 de 19 de abril de 2016, assim sendo não compete ao MINC tal função;

- Que a SEPPIR não seja desmantelada para que possa continuar executando o seu papel sendo a ponte entre os (as) quilombolas e o Governo Interino de Michel Temer, executando as políticas do Programa Brasil Quilombola, assim sendo não podem reduzir a SEPPIR numa simples ‘pasta’ no ‘novo’ Ministério da Justiça e Cidadania;

- Que o Estado Brasileiro cumpra e respeite as determinações do Decreto 4887 de 2003, foi uma conquista do Movimento Negro, ONGs e Quilombolas este Decreto que compões mais da metade da população no Brasil;

 - Que o Brasil respeite os (as) negros (as), os (as) quilombolas, os (as) indígenas, os (as) Camponeses (as) e todos os povos que compõe a formação desta Pátria, que resistem e lutam, pois nunca estiveram adormecidos (as) ou não existiríamos mais;

- Que o Brasil respeite os Tratados, Convenções e Acordos Internacionais assinados, firmados para combater o Racismo, a violência no campo e na cidade, os conflitos agrários, os direitos humanos, a terra, a vida dos (as) brasileiros e brasileiras lutadores (as) desta Pátria.

Sabemos que a luta é árdua e nada para nós negros (as) neste país veio de graça, ou pela bondade como contam erroneamente as histórias nas escolas, suportamos e sobrevivemos as piores atrocidades cometidas com um ser humano, e aguerridos (as) pelo sangue de Dandara dos Palmares, Zumbi, Teresa de Benguela e tantos (as) guerreiros (as) que deram sua vida por uma sociedade mais justa, humana e igualitária, que dizemos NÃO VAMOS PERMITIR RETROCESSOS, não vamos dar nenhum passo atrás, não vamos permitir NENHUM DIREITO A MENOS.

 

 

Fonte: Terra de Direitos

 

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