O objetivo é atestar a adoção e a prática de critérios socioambientais na cadeia produtiva desses combustíveis, como a não-utilização de trabalho infantil ou escravo, temas que aparecem com cada vez mais freqüência nas discussões de comércio exterior e que muitas vezes funcionam como barreiras não-tarifárias.
"Estamos falando de uma discussão ampla, complicada, polêmica e política", diz Marcio Nappo, assessor de meio ambiente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). "Há uma parte legítima de preocupação com os impactos sociais e ambientais da cadeia do etanol nessa discussão, mas há também um componente político muito forte, por exemplo relacionado aos interesses de protecionismo e à pressão da indústria de alimentos."
Entre as principais iniciativas debatidas, destacam-se as normas para a importação de biocombustíveis na União Européia. Elas determinam, por exemplo, uma meta de adição de combustíveis renováveis aos combustíveis fósseis (álcool na gasolina e biodiesel no diesel) de 10% a partir de 2020 em todos os países do bloco, ainda a ser aprovada.
Tais normas, apontam os especialistas, tendem a ser a principal referência de sustentabilidade para a cadeia do álcool, uma vez que os biocombustíveis importados que não atenderem aos critérios não serão contabilizados para efeito das metas de adição de combustíveis renováveis.
Como o Brasil tem características para se tornar o principal fornecedor mundial de álcool produzido a partir da cana-de-açúcar e um importante fornecedor do biodiesel, a corrida interna em busca de uma certificação que atenda às exigências do mercado internacional também anda aquecida.
Certificação de usinas
Após algumas experiências de certificação entre produtores e importadores, o Inmetro vai fazer os primeiros testes para certificação das usinas de álcool utilizando metodologia própria. Além de critérios de qualidade, serão observados condições de trabalho e impacto ao ambiente, entre outros.
O objetivo é derrubar argumentos externos de que o álcool brasileiro não atende critérios de sustentabilidade exigidos em países desenvolvidos, por conta do uso do trabalho escravo ou infantil, ou desmatamento para o cultivo da cana. Após avaliar usinas de São Paulo, do Centro-Oeste e do Nordeste, os resultados serão levados ao governo, que tende a utilizá-los na negociação externa sobre o álcool. Sua aprovação só deve ocorrer após a definição das mudanças na política energética européia envolvendo biocombustíveis.
Enquanto isso, outros agentes continuam na corrida das certificações. A Rede de Agricultura Sustentável, por exemplo, vem promovendo uma reformulação da norma de certificação de produtos agrícolas para incluir produtos como cana-de-açúcar e oleaginosas para obter o selo Rainforest Alliance Certified.
"São produtos e setores cada vez mais complexos, que demandam processos de avaliação específica e por isso é que estamos discutindo um adendo à norma já existente para outras culturas", diz Luís Fernando Guedes Pinto, secretário-executivo da ONG Imaflora, uma das principais certificadoras do país. Outras ações também buscam definir um padrão de certificação com critérios socioambientais para o álcool.
A principal barreira para o avanço desses processos, segundo os especialistas, é o tempo. "Avaliar e certificar uma indústria de médio porte já é bem demorado, pois é necessário readequar processos internos, alterar determinadas configurações estruturais, supervisionar os procedimentos dos fornecedores. Imagine isso aplicado à indústria do etanol, que tem milhares de fornecedores nas mais diferentes condições", afirma o professor Antonio Roberto Pereira, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
ANDRÉ PALHANO - Folha de São Paulo, 30/09/08
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