Muitos acreditam e manifestam a crença de que o mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofia do desenvolvimento sustentável. Acreditam que, com o decorrer do tempo e o surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e superados, resultando numa melhoria no bem-estar social ou mesmo diminuição das desigualdades sociais. O fato é que o desenvolvimento sustentável não pode ser tratado apenas como uma questão restrita a políticas ambientais e tecnológicas.
Os problemas da desigualdade social e do modo de produção atual são os obstáculos para se alcançar uma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambiente e proporcionar melhores condições de vida aos excluídos do sistema de trabalho. Um modelo sustentável só será possível com a mudança do modo de produção e de consumo da sociedade.
É a razão capitalista com base no consumismo, no militarismo e na da lógica de acumulação do capital que está levando o planeta – e os seres vivos que o habitam – a uma situação ambiental catastrófica. Discutir, portanto, uma mudança na matriz energética que realmente busque preservar a vida e o bem-estar dos indivíduos tem que levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida, no conceito de desenvolvimento vigente e na própria organização da sociedade. Entende-se que, para concretizar uma estratégia em bases sustentáveis, seria necessário investir em alternativas renováveis como a energia eólica, solar térmica, fotovoltáica, marés, ondas, biomassa. Mas discutir novas fontes de energia implica, em primeiro lugar, refletir a serviço de quem estará esta nova matriz, e levar em conta quem se beneficiará, a qual propósito servirá... ou seja, energia para quê? Para quem?
Vejamos o que ocorre em nosso País com relação à produção do etanol e biodiesel. Com base no modelo do agronegócio, que destina grandes extensões de terra para a monocultura, procura-se transformar o Brasil em grande exportador de combustíveis líquidos com o apoio e ganância de grandes grupos econômicos e fundos de investimentos. Este modelo causa impactos negativos em comunidades camponesas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que têm seus territórios ameaçados. O que se verifica hoje é a compra de terras por estrangeiros (japoneses, chineses, americanos, franceses, holandeses e ingleses), formando um estoque de terras que rende valorização acelerada. O Brasil entra com terra, água, sol e mão-de-obra barata. Eles colhem, exportam e vendem o produto, aplicando os lucros lá fora. Ficam com o verde da cana e dos dólares e, nós, com o amarelo da fome.
Em particular, a expansão da cana-de-açúcar no País para a produção de etanol pode avançar sim sobre áreas onde hoje se cultivam gêneros alimentícios, além de colocar em risco a integridade de importantes biomas, como a Amazônia, o Pantanal e a caatinga. Até agora não foi feito nenhum estudo aprofundado sobre conseqüências e impactos da expansão das lavouras de cana e de plantas oleaginosas. Este modelo de expansão da produção de biocombustíveis coloca em risco a soberania alimentar e pode agravar o problema da fome no Brasil e no mundo.
Sem abandonar estas fontes de riqueza para o País, o modelo agrícola a ser adotado deve se basear na agroecologia, no zoneamento agrícola e na diversificação da produção. Deve ser orientado por um sentido de desenvolvimento que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica de querer, acima de tudo, transformar o Brasil em um grande exportador de combustíveis. Tem-se afirmado, ao longo dos anos, que não há solução para os problemas urbanos do Brasil sem melhorar a qualidade de vida no campo. Assim, a questão crucial não deve ser plantar isto ou aquilo, mas sim “plantar para quê e para quem. Essas questões devem estar subordinadas a uma pergunta mais geral: que padrão de desenvolvimento e de consumo a sociedade brasileira deseja? A produção de biocombustíveis só faz sentido se melhorar a qualidade de vida do povo. Não é difícil imaginar os motivos do apetite internacional pelo etanol e biodiesel brasileiros. Resta saber se saberemos usar esse potencial de forma criativa e estratégica. Caso contrário, uma vez mais, vai prevalecer à lógica do imediatismo, que gera lucros para poucos e deixa a conta para a sociedade.
» Heitor Scalambrini Costa é professor da UFPE.
Jornal do Commercio – Recife
Publicado em 29.09.2007
Heitor Scalambrini Costa