A crise fiscal já afeta as fiscalizações de trabalho escravo no país, segundo entidade que atua no combate a esse crime e fiscais do trabalho. A quantidade de estabelecimentos fiscalizados no primeiro semestre caiu para menos da metade neste ano na comparação com 2016, aponta levantamento divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O volume de inspeções mensais neste ano caiu 58% em relação ao ano passado, enquanto o número de trabalhadores resgatados recuou 76% na comparação com a média mensal de 2016.
O setor não é o primeiro a ter os serviços afetados pela falta de recursos públicos. Com o orçamento no limite, a emissão de passaportes ficou suspensa por 1 mês e a Polícia Rodoviária reduziu o patrulhamento nas estradas.
O volume de fiscalizações de trabalho escravo pode cair ainda mais no segundo semestre. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) diz que a verba para apurar denúncias acaba em agosto (veja detalhes mais abaixo). Isso significa que as fiscalizações em locais distantes das capitais podem ser comprometidas.
“O corte no orçamento nos colocou num panorama em que, com todas as possibilidades de remanejamento que a secretaria de inspeção do trabalho tem, só se consegue trabalhar até o final do mês que vem", diz Carlos Silva, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
"Depois, não vai ter mais, tampouco para a fiscalização ao trabalho infantil e o combate à informalidade”, complementa.
Em nota, o Ministério do Trabalho nega que os trabalhos serão suspensos em agosto. “Desde o contingenciamento de verbas determinado pelo governo federal, o Ministério do Trabalho vem fazendo gestões para readequar os recursos orçamentários de forma a impactar o menos possível áreas de atuação prioritárias, como a fiscalização.”
Queda nas inspeções
O volume de inspeções neste ano já é menor do que no ano passado, segundo dados da CPT. Em média, foram fiscalizados 17 estabelecimentos por mês em 2016, contra 7 neste ano, considerando os dados até julho - um recuo de 58%. Até agora, foram inspecionados 49 estabelecimentos sob suspeita de manterem trabalhadores em condições análogas à escravidão. No ano passado inteiro, foram 204.
A entidade afirma que utilizou dados do Ministério do Trabalho para preparar o levantamento. O G1 questionou o órgão a respeito dos números, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem. Plassat, diz que os dados apontam uma queda intensa no ritmo das fiscalizações, já que “não é um assunto sazonal”.
O levantamento feito pela CPT também mostra que, com menos estabelecimentos fiscalizados, caiu o número de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. Até agora, foram 108 em 2017, ou cerca de 15 por mês.
O número representa uma queda de mais de 76% na comparação com a média mensal de 2016, e de mais de 94% se considerarmos a média mensal de trabalhadores resgatados desde 2003.
A queda em 2017 é acentuada, mas o coordenador da campanha da CPT contra o trabalho escravo, o frei Xavier Plassat, ressalta que tanto o número de pessoas resgatadas quanto o de estabelecimentos fiscalizados estão em queda desde os anos anteriores.
“Esse processo de queda gradual já vem há três ou quatro anos, é um fenômeno que a gente já alertou. O número estar em queda não significa que vencemos a batalha, significa que os trabalhadores estão cada vez mais invisíveis, menos procurados”, diz Plassat.
Falta de dinheiro
Neste fim de semana, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, já havia noticiado que, a partir de agosto, as fiscalizações vão parar por completo por falta de recursos.
O coordenador da campanha da CPT contra o trabalho escravo, o frei Xavier Plassat, e o presidente do sindicato dos auditores disseram ao G1 que toda a verba destinada para o combate ao trabalho escravo em todo o ano de 2017 já está comprometida.
“O orçamento necessário é de R$ 3 milhões. Neste ano, a dotação orçamentária (o total de recursos que tiveram o repasse autorizado) foi de R$ 1,6 milhão, e ela já foi totalmente empenhada (comprometida). Mas não foi totalmente gasta, pois R$ 1,4 milhão já foi pago”, diz Plassat.
“Esse R$ 1,4 milhão já está completamente comprometido. Não sobra quase nada, e esse quase nada só nos dá oxigênio até o final de agosto”, complementa Silva.
O presidente do sindicato dos fiscais do trabalho explica que o valor atual do orçamento já foi cortado. O montante inicial previsto para o ano era R$ 3,2 milhões.
Interior deve ser mais afetado
As cidades do interior serão as mais afetadas pela falta de recursos do órgão, diz Silva. Ele explica que, cada vez que um auditor se desloca de sua base para fazer uma inspeção, há um custo com diárias e despesas de deslocamento. Todas essas viagens precisam de autorização oficial. "Essa autorização é acompanhada do pagamento das diárias e despesas do deslocamento."
“Se houver mesmo esse panorama caótico, só poderemos então apurar denúncias nas áreas onde estão alocados os auditores", explica o presidente do sindicado, acrescentando que o Ministério do Trabalho só tem superintendências em capitais e cidades maiores do interior.
“Esses crimes [trabalho escravo] são praticados em locais ermos, mais distantes, que exigem deslocamento. De fato, não teremos condições de ir aonde o problema está”, afirma Silva.
Menos fiscais
Além do orçamento reduzido, a redução do número de fiscais também explica a redução da fiscalização. “Estão faltando cerca de 1,5 mil fiscais para atender, pelo menos, à manutenção do quadro como estava 10 anos atrás”, afirma Plassat.
Silva confirma a redução de pessoal. “Nós tínhamos, nos meados de 2008, nove equipes de fiscalização do grupo móvel nacional. Hoje, estamos muito mal, reduzidos a 4”, diz.
As equipes que restaram têm menos integrantes. “Isso, por óbvio, compromete a resposta do trabalho. A redução do número de estabelecimentos fiscalizados é uma consequência óbvia, imediata e danosa.”
Fonte: G1 - Economia