Tercerização ilícita de 530 pessoas era principal problema. Atividades de corte de cana de seis fazendas do grupo francês em Minas Gerais chegaram a ser interditadas. Procurador diz, porém, que trabalhadores recebiam normalmente
Por Bianca Pyl
Segundo a Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região (PRT-3), a companhia francesa será convocada para uma audiência pública em janeiro de 2010. Caso o TAC não seja assinado, os procuradores ajuizarão uma ação cívil pública. De acordo com os fiscais, havia muitas irregularidades, mas a situação não chegava a caracterizar escravidão. "As condições estavam no limiar da degradância. Face à grave situação constatada, as frentes de trabalho foram interditadas", declara Luís Fernando Duque, auditor da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG).
A fiscalização foi realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF). As atividades de corte de cana de seis fazendas (Laranjeiras, Ponte, Campo Alegre, Olhos D´água, Pastinho e Camargo) da Louis Dreyfus Commodities (LDC), na região de Lagoa da Prata (MG), chegaram a ser interditadas.
Segundo Luís Fernando, a principal irregularidade encontrada foi a tercerização ilícita de 530 trabalhadores. "A situação dos trabalhadores terceirizados era muito pior do que a dos contratados diretamente pela empresa", detalha o auditor. A empresa possui outros 1.870 empregados contratados diretamente.
Nas frentes de trabalho, não havia fornecimento de água potável. Os trabalhadores também não tinham acesso a instalações sanitárias ou locais adequados para as refeições. Não havia ainda intervalos para repouso e alimentação regular. E os cortadores terceirizados chegavam a cumprir jornada de 12 h diárias, duas vezes por semana. A empresa não efetuava o pagamento das horas extras trabalhadas. Os empregados não ficavam alojados no local; moravam próximos às fazendas e estavam recebendo salários normalmente, segundo o procurador Alessandro Beraldo.
O fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPIs) era insuficiente, principalmente entre os terceirizados. Os operadores de tratores não tinham a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O relatório da fiscalização destaca ainda a ocorrência de dois acidentes de trabalho fatais: o primeiro, em 2007, após o tombamento de um dos tratores; e o segundo, em 2008, quando um funcionário foi puxado por uma das máquinas e bateu a cabeça.
O TAC proposto pelo MPT propõe o pagamento de uma indenização no valor de R$ 2 milhões. "Trata-se de indenização por dano moral coletivo, que seria revertida em benefício da classe trabalhadora daquela localidade, a título de reparação pelos danos que resultaram da conduta irregular da empresa", explica o procurador do trabalho Alessandro, que acompanhou a ação em conjunto com o colega Eliaquim Queiroz.
Depois da fiscalização, algumas correções foram providenciadas - como a instalação de sanitários nas frentes de trabalho, o fornecimento de água potável e a oferta de local adequado para refeições. "Diversos empregados fizeram curso de tratorista. A jornada de trabalho também foi regularizada. Em função dessas correções de meio ambiente do trabalho e de jornada, a interdição foi suspensa depois de dez dias", adiciona Alessandro Beraldo.
A assessoria de imprensa da empresa enviou nota à Repórter Brasil, na qual afirma que a "durante a inspeção, a LDC tomou imediatamente as medidas recomendadas pelo Ministério do Trabalho (embora não seja o empregador direto) de forma a assegurar o bem-estar dos trabalhadores".
Histórico
Não é a primeira vez que a empresa se recusa a assumir irregularidades trabalhistas encontradas por fiscais e a firmar TAC. Em 2006, após fiscalização que encontrou irregularidades semelhantes em usina da LDC em São Carlos (SP), o procurador Fábio Kosaka moveu ação cívil pública e a empresa foi condenada a pagar R$ 1 milhão por danos morais coletivos pela 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Jaboticabal (SP), em abril de 2009.
Essa mesma usina foi inspecionada em 2008, pelo MTE e MPT. Na ocasião, a forma de pagamento dos cortadores foi contestada. Eles recebiam por produção e não tinham nenhum controle em relação ao cálculo feito pela empresa. A fiscalização exigiu também que a empresa devolvesse o dinheiro descontado dos empregados pelos minutos de intervalos para descanso.
A LDC assumiu oficialmente a Santelisa Vale em outubro de 2009 e formou a segunda maior processadora de cana-de-açúcar do mundo, com 13 usinas no país e capacidade anual de moagem de 40 milhões de toneladas.