De acordo com dados da Campanha Nacional da CPT de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, no ano de 2008, 2.553 trabalhadores, 49% dos resgatados da escravidão, estavam no setor sucroalcooleiro. Os dados mostram, também, que a pecuária foi a segunda atividade que mais utilizou mão-de-obra escrava em 2008, com 1.026 trabalhadores resgatados. Ao todo, em 2008, 5.244 trabalhadores foram resgatados durante ações de fiscalização que atenderam 214 denúncias. De acordo com o Frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha da CPT, “os dados da Campanha mostram que as áreas geográficas de concentração já antiga ou de expansão recente da cana-de-açúcar, aumentaram dramaticamente sua participação no total de libertados em flagrantes de trabalho escravo nos últimos dois anos.
Basta constatar que a região Norte, que sempre liderou esses números no passado, está em 2008 no terceiro lugar pelo número de libertados (19,1%), após o Nordeste (28,6%) e o Centro-Oeste (32,1%).” Ele ainda completa: “O número de pessoas libertadas alcança em 2008 seu 2° máximo histórico desde a criação do Grupo Móvel [de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego], logo atrás do ano anterior (5.968). O crescimento do setor sucroalcooleiro e do agronegócio de grãos nos cerrados centrais e nas regiões de fronteira agrícola explica boa parte do crescimento numérico observado: metade dos libertados de 2008 como de 2007 foram encontrados em número reduzido de fazendas de cana de açúcar: 20 em 2008 (7 em 2007).”
Segundo os dados da Campanha da CPT, os estados campeões em números de denúncias de uso de mão-de-obra escrava foram, novamente, o Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. Entretanto, o Pará, que sempre ocupou o primeiro lugar também no número de trabalhadores resgatados, ficou, em 2008, em segundo lugar, com 811 trabalhadores resgatados. Goiás, com 867 trabalhadores libertados, foi o estado campeão em 2008. Plassat argumenta, “em 2007 o Centro-Oeste já havia assumido essa liderança questionável (40,3% dos libertados) seguido pelo Norte (34,1%) e pelo Nordeste (12,4%). No detalhamento por estado, o ranking é bastante esclarecedor: Goiás acessa ao 1° lugar (867 libertados em 6 casos), seguido por Pará (811 libertados em 109 casos), Alagoas (656 em 3 casos) e Mato Grosso (578 em 32 casos). Pelo número de casos encontrados, porém, o Norte continua líder incontestado entre as regiões, com cerca da metade (47,9%) das ocorrências de trabalho escravo, contra ‘apenas’ 16% no Centro-Oeste ou no Nordeste, e 3 a 5% no Sul e Sudeste. A Amazônia concentrou, em 2008, 69% dos registros de trabalho escravo, 49% dos trabalhadores nele envolvidos e 32% dos resgatados, demonstrando a persistente dificuldade de acesso da fiscalização neste bioma.”
No eito da cana
Desde 2007, os dados mostram que a utilização de mão-de-obra análoga à escravidão tem crescido no setor da cana-de-açúcar na mesma velocidade que tem crescido o interesse do governo nessa cultura. Com o discurso do aumento da produção dos biocombustíveis ou combustíveis “verdes”, o governo brasileiro tem desconsiderado os impactos e as conseqüências da produção desenfreada em busca de lucro. Entretanto, governos de outros países e grandes investidores estrangeiros, se mostram reticentes em comprar o álcool do Brasil justamente por causa do estigma de trabalho escravo que esse produto nacional ainda carrega.
Pelo tipo de empreendimento, o canavial concentra números consideravelmente maiores de trabalhadores no mesmo espaço produtivo. Logo a imposição de condições degradantes de trabalho afeta nele contingentes expressivos de mão-de-obra, enquanto nos demais setores o trabalho escravo é geralmente encontrado em serviços ocasionais empreitados a terceiros, tais como desmatamento, roço de pasto, aplicação de veneno, ‘cata’ de raízes, colheita, entre outros. Somente na cana, a média de trabalhadores por caso flagrado está em 142 trabalhadores em 2008 (437 em 2007) contra 14 nas demais atividades (20 em 2007).
Segundo Plassat, “a emergência da cana nos registros do trabalho escravo brasileiro por muitos aspectos tem caráter de ‘revelação’ de uma situação latente até então velada pela falta de fiscalização especializada. Pela característica do empreendimento canavieiro, sempre realizado em escala de imensas plantações, cada caso fiscalizado envolve um contingente de trabalhadores não raro 10 vezes mais elevado que nas demais atividades. Daí as profundas mudanças observadas na geografia recente do trabalho escravo no Brasil. Se a cana-de-açúcar predomina pelo número de trabalhadores envolvidos ou resgatados e se, com ela, ganha destaque a região Centro-oeste, para onde o canavial vem avançando, isso deixa de ser verdade quando se trata do número de casos identificados. Sob este aspecto, no período 2003-2008 bem como nos últimos meses, continuaram predominando a pecuária de gado e, junto com ela, o desmatamento que muitas vezes abre-lhe o caminho, seguidos pelas ‘outras lavouras’ (soja, algodão, tomate) e pelo carvão vegetal. Com isso a Amazônia, povo e natureza, continuou sofrendo.”
Na Amazônia Legal, somente em 2008, 1.679 trabalhadores foram resgatados. Além disso, das ações de fiscalização realizadas no ano, 59,3% o foram somente na Amazônia Legal.
Novos estados aderem a essa prática
O surgimento de novos estados nos registros nacionais de trabalho escravo merece destaque. Em 2008, um ano recorde em termos de operações de fiscalização, Sul e Sudeste contribuem assim cada um com 10% do total de libertados, com destaque para Paraná (398 resgatados), Minas Gerais (229) e Santa Catarina (125).
De acordo com o Frei, “esse fato deve ser interpretado dentro do contexto de ‘descobrimento’ em que ainda estamos quanto à realidade atual do trabalho escravo no Brasil – cujas modalidades legais vão desde as condições degradantes até o aprisionamento puro e simples – e também em função da intensificação, pelo Gurpo Móvel de Fiscalização e por algumas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE), e de ações específicas de fiscalização orientadas para setores e regiões tradicionalmente isentas desse tipo de inspeção. Em 2008, quase a metade das fiscalizações com libertação efetiva foram assumidas por SRTE’s”.
Além dos grupos de fiscalização, outra ferramenta importante no combate ao trabalho escravo é a lista suja do trabalho escravo, onde os produtores que utilizaram esse tipo de mão-de-obra têm seu nome incluído. Essa lista tem sido muito importante para denunciar essa prática e impedir a consolidação de vantajosos contratos transnacionais e demais investimentos naquelas propriedades flagradas com trabalhadores escravos. Ao final de 2008 a Lista Suja já contabilizava 203 nomes de proprietários flagrados com mão-de-obra escrava, sendo que desse total, 50 nomes são de proprietários só do estado do Pará.
Coordenador da Campanha da CPT recebe prêmio do governo brasileiro
Frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha da CPT, recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2008 na categoria “Erradicação do Trabalho Escravo” (sub-categoria: pessoa física), em dezembro de 2008. Foi a 14ª edição do Prêmio Direitos Humanos, promovido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que também agraciou a ONG Repórter Brasil, integrante desta Campanha, com o prêmio como Pessoa Jurídica na mesma categoria. Frei Xavier e as ações da Campanha receberam também, durante o ano de 2008, reconhecimento por parte de entidades internacionais, como a ONG americana Free the Slaves, que entregou a ele, em setembro de 2008, em Los Angeles (EUA), o prêmio Freedom Awards 2008.
Maiores informações:
Xavier Plassat – (63) 3412-3200 / 9221-9957
Setor de Comunicação da CPT – (62) 4008-6406 / 6414 (Cristiane ou Marília)