Dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nesta terça-feira (29), dão conta de que o grupo móvel de fiscalização do governo federal libertou 2.269 trabalhadores de condições análogas à escravidão nos seis primeiros meses deste ano. Com isso, o número de trabalhadores libertados desde 1995 chegou a 30.036. Em 2007, foi batido o recorde de libertações registradas em apenas um único ano: 5.999 pessoas.
De acordo com o balanço de pasta, 96 fazendas foram fiscalizadas em 54 operações de janeiro a junho de 2008. As equipes - compostas de auditores fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e agentes da Polícia Federal (PF) - vasculharam propriedades rurais distribuídas em 14 estados do país. Ao todo, o MTE contabilizou o pagamento de R$ 3,5 milhões em indenizações trabalhistas para as vítimas desse tipo de exploração criminosa.
A servidão por dívida continua sendo uma das formas mais comuns de trabalho escravo contemporâneo, salienta Marcelo Campos, coordenador nacional do grupo móvel. "Como ele [o trabalhador] acredita que deve ao patrão, trabalha para quitar essa dívida que nunca é saldada, pois a cada mês ele adquire mais despesas", descreve. O cerceamento da liberdade, o calote nos salários, as jornadas exaustivas de trabalho e as condições degradantes - alojamentos inadequados, não utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) e cobrança de despesas com comida e transporte - fazem parte do rol de infrações constantemente flagradas pela fiscalização.
O balanço do primeiro semestre confirma basicamente duas tendências, na visão do coordenador da campanha nacional de combate e prevenção ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frei Xavier Plassat. A primeira diz respeito à recorrência de casos de trabalho escravo em estados como Pará, Maranhão e Tocantins, nas áreas de fronteira agrícola em volta da Amazônia, especialmente na atividade pecuária.
Levantamento paralelo feito pela CPT, revelou que 58% dos casos de trabalho escravo fiscalizados até o último dia 9 de julho se deram na criação de gado bovino. Em segundo aparece o cultivo de cana-de-açúcar e de outras lavouras agrícolas, com 11% cada. "Houve 47 fazendas denunciadas no Pará e apenas 26 foram fiscalizadas", salienta Xavier, que reside em Araguaína (TO). A prevalência de casos na pecuária também pôde ser observada na última atualização da "lista suja", cadastro de quem explorou mão-de-obra escrava.
Ele diagnostica ainda algumas mudanças no número de libertados nas fazendas de pecuária fiscalizadas pelo grupo móvel. Em comparação com dados até 2003, houve uma queda da média de envolvidos que ficava entre 30 e 40 para a casa dos 20 trabalhadores. Na avaliação de Xavier, "gatos" (aliciadores de mão-de-obra) e fazendeiros têm utilizado "operações relâmpago" - sem melhorias significativas de condições de trabalho, mas com menos gente e sem causar muito alarde - para tentar burlar a fiscalização.
"Essa prática coincide com a lógica da MP (Medida Provisória) 410, que dispensou a assinatura de carteira para empreitadas de até dois meses e já virou lei" adiciona o coordenador da "Campanha de Olho Aberto para Não Virar Escravo", mantida pela CPT e por outras entidades de base. Informações mais precisas sobre o tempo de duração do trabalho em casos de escravidão poderão ser aferidos a partir de dados relativos ao seguro-desemprego liberado para os trabalhadores depois das fiscalizações.
"A fiscalização está chegando em lugares que normalmente não ia. E está encontrando muitos problemas. Há muito tempo denunciamos que a situação em Alagoas era grave", coloca o integrante da CPT, que faz parte da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). No Mato Grosso do Sul, por exemplo, houve uma mobilização da sociedade civil contra o trabalho escravo no início dos anos 90, que depois se enfraqueceu. "Nosso desafio é levar a campanha para essas outras regiões", acrescenta Xavier. "Mas não podemos correr o risco de dizer que o trabalho escravo hoje se concentra apenas na cana-de-açúcar. Isso está longe de ser verdade".
Fonte: Reporter Brasil