fonte: Diário de Pernambuco (caderno Brasil) 19 de novembro de 2007
Maria Ursulina cozinha para as seis pessoas que trabalham na carvoaria da fazenda. Inclusive o marido, que ganha R$ 15 por dia, quando o serviço rende. A diária equivale à produção de três metros cúbicos de carvão, aproximadamente o volume de um forno. Às vezes falta lenha. O carvão passa pelo menos cinco dias entre a queima e o esfriamento. Não dá para ganhar um salário mínimo mensal, explica o carvoeiro José Pereira da Silva, de 36. O fazendeiro Aurecílio Ruas certamente deve ter recitado muitas vezes o Salmo 23. Deve se lembrar da frase: "Guia-me pelas veredas da justiça por amor de seu nome". Ele chega a cavalo e vai logo dizendo que respeita o meio ambiente.
Adverte que o desmatamento é legal. "Está tudo licenciado", afirma. Não faz nenhum comentário sobreas condições de trabalho dos carvoeiros que enchem de troncos de árvores do Cerrado uma bateria de nove fornos.
Quarta-feira, Maria Ursulina procurava administrar a parte que lhe cabia da justiça divina. Para cozinhar, tinha arroz, feijão, marcarrão e peixe seco. No barraco de troncos e chão batido que serve de cozinha nãohá geladeira. Nem luz elétrica. Iguais são as construções onde os carvoeiros dormem. Até três camas, feitas de uma armação de galhos do próprio desmatamento, algumas tábuas toscas à guisa de estrado e um colchão fino por cima.
As condições degradantes de trabalho e o desrespeito à legislação trabalhista são praticamente uma regra na produção de carvão de mata nativa em Minas Gerais. Não só em pequenos empreendimentos como a Fazenda Salmo 23. Na CrossAgroindustrial Ltda, também em São Francisco, na Fazenda Tamoios, é cruel ver, ao fundo uma ampla lavoura de banana irrigada com água do Rio São Francisco, enquanto, no primeiro plano, homens trabalham sem máscara, luvas, perneiras, botas apropriadas nem óculos, em 36 fornos de carvão.