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Publicado em: 31/08/2007
Por:David Motta
Em Alagoas existem cerca de 60 mil bóias-frias que se submetem a condições de trabalho desumano por não possuírem outra escolha em garantir renda e sustento para suas famílias. São homens e mulheres que vivem na indigência ou tentam sobrevi-ver nos canaviais com o corte da cana. Com salários por produção, os cortadores de cana-de-açúcar são obrigados a trabalhar até a exaustão suprema, passando dos limites que o corpo humano suporta, com jornadas de trabalho que duram até 18 horas. A revelação é feita pelo presidente da Fetag, Antônio Vitorino, que não citou nominalmente quais as empresas que fazem os trabalhadores de escravos.
Da Redação
Trabalhadores são submetidos a jornadas exaustivas e usam equipamento ultapassado para o corte da cana-de-açúcar. O calvário, segundo ele, começa nos alojamentos improvisados que servem de moradia durante a colheita. Milhares de homens e mulheres são amontoados em barracões de lona, muitos dormem em redes ou no chão batido. Sua alimentação é de má qualidade para o tipo de trabalho realizado e, como o próprio nome diz, é a bóia-fria. A locomoção destes lavradores é feita por caminhões e ônibus que trafegam acima de sua capacidade de transporte e má conservação, misturando homens, facões e foices em sua carga. Em todo território alagoano bóias-frias se deslocam das suas cidades natais até as lavouras canavieiras. Em sua maioria são contratados para serviços temporários e depois são remanejados a ou-tras regiões e até mesmo estados.
As condições de trabalho nas lavouras são quase que escravas e são raras as empresas que respeitam os direi-tos humanos dos trabalhadores. Para contratar os cortadores de cana, muitos empregadores não respeitam as leis trabalhistas e não realizam teste de aptidão física, obrigatório em funções que exijam esforço físico.
Segundo números da FETAG/AL - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Alagoas, apenas 20% dos contratados passam por algum tipo de avaliação médica e as 22 usinas existentes no estado e milhares de pequenos e grandes fornecedores de cana, utilizam mão-de-obra humana em seus canaviais. "São tantas que desrespeitam os direitos destes cidadãos que não tenho nem como dizer quantas não cumprem seus deveres trabalhistas de empregadores", diz Antônio Vitorino, presidente da FETAG/AL.
Os órgãos fiscalizadores com poder de multar e altuar os proprietários das usinas são a DRT - Delegacia Regional do Trabalho e a PRT - Procuradoria Regional do Trabalho, mas com sua atuação tímida e precária, não existe uma ação direcionada à punição dos responsáveis pela exploração escrava que estes lavradores passam. Tal omissão faz parecer que o órgão só serve aos ricos e poderosos, com seus dirigentes respondendo a processos por causas trabalhistas.
"Não temos como comprovar que estes trabalhadores estão morrendo nas lavouras porque os laudos médicos emitidos são sempre favoráveis aos donos das usinas, excluindo qualquer tipo de responsabilidade do patrão", denuncia Vitorino. Ele disse ainda que não há denúncias por várias questões, que vão desde medo e a falta de emprego nas regiões de origem do trabalhador. Indagado se estes cidadãos são excluídos da sociedade Vitorino afirma que "são excluídos, discriminados e não são vistos como seres humanos, mas sim, como máquinas de cortar cana a custo quase que zero."
Nova safra , velhas denúncias
A safra canavieira 2007/2008 está começando e, outra vez, a situação dos trabalhadores, os cortadores de cana, chama a atenção de todos os brasileiros pelas denúncias de trabalho escravo, jornada sem fim, exploração do traba-lho infantil, condições subumanas na atividade do campo, baixos salários, ausência de fiscalização dos órgãos públicos, falta de cumprimento das leis trabalhista, greves e outras reivindicações.
Desta vez, os canavieiros são notícia por uma informação estarrecedora: a professora Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou, em pesquisa financiada pelo CNPq, que as condições de trabalho atuais nos canaviais brasileiros (nos quais trabalham os cortadores alagoanos) são piores que na época da escravidão. Mesmo tendo sido publicada em maio deste ano, apesar da ampla repercussão nacional, se fez total silêncio sobre esta pesquisa na imprensa alagoana.
É, por isso, que o Extra, cumprindo seu papel de jornal livre, mais uma vez resolveu romper o si-lêncio e, deci-diu publicar quatro repor-tagens saídas em jornais de outros estados. A primei-ra "Cortador tem vida útil de escravo", publicada no jornal Folha de São Paulo (29/04/2007); a segunda, "Cana ainda é combustível para trabalho escravo", pu-blicada no jornal Estado de Minas (15/05/2007); a terceira "Usinas da miséria" publicada no Correio Braziliense (13/05/2007); e a quarta "Morte no canavial", publicada no Jornal do Commercio de Pernambuco (28/05/2007). Desta forma, queremos prestar uma homenagem a estes quatro grandes jornais e seus jornalistas pela qualidade de sua cobertura.
O Extra coloca esse material a disposição do público leitor, prometendo, no próximo número, uma entrevista com a pesquisadora paulista Maria Aparecida de Moraes Silva, sobre a situação dos cortadores de cana que trabalham em Alagoas, assim como dos milhares de canavieiros que, na entressafra vão para Minas, Mato Grosso e São Paulo seguir nesta atividade. Para completar, o Extra presenteia seus leitores com um artigo de Frei Betto, religioso dominicano destacado lutador pelos direitos do povo brasileiro.