Em 2024, os conflitos no campo em Pernambuco atingiram 26.342 pessoas, entre camponeses(as), pescadores(as), trabalhadores(as) rurais sem-terra, indígenas, quilombolas e outras identidades camponesas. O número representa um aumento de 43,9% em relação ao ano de 2023, o que equivale a uma média de 72 pessoas afetadas por dia por esses conflitos ao longo do ano. Os dados são da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicados recentemente na 39ª edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil”. Ainda de acordo com o levantamento, essas pessoas foram envolvidas por um total de 49 ocorrências de conflitos no estado.
Setor de comunicação da CPT Nordeste 2
Para a CPT, os dados de 2024 consolidam uma tendência observada nos últimos anos (com exceções, como 2012 e os anos da pandemia da Covid-19, quando os números estiveram acima da média), de constância e permanência dos conflitos agrários em Pernambuco, o que evidencia a histórica ausência de uma atuação efetiva do Estado na resolução dos problemas fundiários, marcados pela completa falta de desapropriações de terras e de demarcações de territórios tradicionais.
Zona da Mata segue como epicentro dos conflitos por terra - De acordo com a metodologia do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT), os conflitos são classificados em três categorias: por terra, por água e trabalhistas, sendo esta última a que envolve, entre outras situações, o trabalho escravo. Em 2024, os conflitos por terra foram os mais frequentes em Pernambuco, representando 41 dos 49 registros totais, sendo 28 ocorrências de conflito e 13 ações de ocupação ou retomada. Esse tipo de conflito envolveu um total de 6.051 famílias. A Zona da Mata continuou sendo o local de maior recorrência de conflitos por terra, concentrando 43,9% dos registros, seguido pelo Sertão (31,7%), Região Metropolitana do Recife (14,6%) e Agreste (9,7%).
A persistência da violência no campo, nessa localidade, está diretamente ligada ao monocultivo sucroalcooleiro e à ausência de uma intervenção estatal eficaz para a redistribuição de terras na região. Grandes extensões de terras antes controladas por Usinas produtoras de açúcar e álcool vêm, nos últimos anos, sendo arrendadas, vendidas ou adquiridas por meio de leilões fraudulentos para empreendimentos do setor pecuário, cujos representantes mantinham vínculos diretos e indiretos com as usinas. Esses empreendimentos estão sendo frequentemente denunciados por esbulho possessório, ameaças, perseguições, destruição de lavouras e outros tipos de violência contra comunidades locais posseiras.
Nas outras regiões do estado, os conflitos por terra estiveram associados à atuação de latifundiários e fazendeiros. Ainda de acordo com os dados da CPT, em 2024, os posseiros e sem-terra foram as principais categorias sociais envolvidas nos conflitos, com cada uma presente em 41,46% dos registros. Além desses, também foram alvo dos conflitos pescadores (9,76%), indígenas (4,88%) e agentes pastorais (2,44%).
Os registros da CPT também detalham os tipos de violência a que estão submetidos os povos do campo em Pernambuco. Em 2024, houve um aumento em diversos tipos de violência. O número de famílias despejadas saltou de 81, em 2023, para 700, em 2024, representando um aumento de 764%. Dois grandes despejos, envolvendo centenas de famílias sem-terra vinculadas ao MST, contribuíram para o aumento significativo desse dado. Já o número de pessoas ameaçadas de despejo passou de 844 para 2.401. Esses indicadores concretizam um temor antigo de comunidades e movimentos sociais de luta pela terra: desde o fim da pandemia da Covid-19 (e, sobretudo, após o vencimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspendia os despejos coletivos), já se temia uma nova onda de remoções forçadas. O que ocorreu em 2024 acende um alerta sobre o agravamento desse cenário nos próximos anos.
Chama atenção também o número de famílias vítimas de pistolagem. Para o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, as ações de pistolagem são atos de violência praticados por indivíduos ou grupos armados, geralmente contratados por fazendeiros, grileiros ou empresas, com o objetivo de intimidar, ameaçar ou agredir pessoas ou comunidades envolvidas em disputas por terra ou território. O número de famílias vítimas desse tipo de violência aumentou de 681, em 2023, para 1.363 em 2024, ou seja, o dobro.
O crescimento das ações de pistolagem no estado tem sido reflexo direto da presença e atuação, especialmente na Zona da Mata de Pernambuco, do movimento ruralista Invasão Zero, organizado para atacar a resistência de comunidades e movimentos sociais de luta pela terra e tentar inviabilizar com violência a pauta da Reforma Agrária e da demarcação de territórios tradicionais.
Conflitos pela água - Os conflitos pela água também apresentaram crescimento, com cinco ocorrências registradas em 2024, envolvendo 525 famílias, um aumento de 400% em comparação com o ano anterior, quando houve o registro de apenas uma ocorrência. Os casos registrados situam-se nos municípios de Jaqueira, Zona da Mata Sul; Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife, e Floresta, no Sertão do estado. Em Jaqueira, foram registrados dois casos envolvendo a Comunidade posseira Barro Branco, que sofreu contaminação da água por agrotóxicos e enfrentou impedimento de acesso ao bem devido à apropriação provada por parte da empresa Agropecuária Mata Sul S/A.
Em Floresta também ocorreram dois registros de conflito. No Assentamento Curralinho dos Angicos, 50 famílias enfrentaram redução no acesso à água devido a apropriação do uso e má preservação, enquanto na Fazenda Balalaika/Pedra, 75 famílias foram impedidas de acessar a água por apropriação particular. Em Ipojuca, a Comunidade Quilombola Ilha de Mercês, formada por 200 famílias, foi ameaçada de expropriação também por apropriação particular.
Trabalho escravo - Em 2024, foram registrados três ocorrências que envolveram 38 trabalhadores resgatados em condições análoga à escravidão no campo em Pernambuco. O número representa um aumento de 850% em comparação com o ano de 2023, quando foram libertadas 4 pessoas naquela situação. As denúncias ocorreram nos municípios de Exu, Joaquim Nabuco e Limoeiro, abrangendo atividades como desmatamento de mata nativa, produção de etanol e pecuária para corte.
Conflitos no campo Brasil - Esta é a 39ª edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, elaborada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) por meio do seu Centro de Documentação Dom Tomás Balduino. Editada pela primeira em 1985, a publicação se tornou referência nacional e internacional e instrumento fundamental de denúncia das violências cometidas cotidianamente contra os povos do campo, das águas e das florestas no Brasil. Na publicação, é possível encontrar dados sobre conflitos por terra, conflitos pela água, conflitos trabalhistas, trabalho escravo, tipos de violências contra a ocupação e a posse e tipos de violência contra a pessoa, como os assassinatos e as ameaças de morte. Também estão disponíveis na publicação diversos artigos e análises dos dados levantados.