Após uma semana da mobilização camponesa e indígena que resultou na paralisação do complexo eólico Ventos de São Clemente, no Agreste de Pernambuco, as famílias afetadas pelo empreendimento foram surpreendidas com o religamento das turbinas no dia 26 de fevereiro.
Setor de comunicação da CPT NE2
Lucro acima da vida - A retomada do funcionamento ocorreu após decisão do desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que acatou o mandado de segurança impetrado pela empresa responsável pelo empreendimento sob a argumentação de que a paralisação representaria um risco de "lesão grave ou de difícil reparação" para a empresa, mencionando na decisão, inclusive, seus prejuízos financeiros diários.
O mandado de segurança é um instrumento jurídico que pode ser utilizado quando ocorre algum ato ilegal ou abusivo por parte de uma autoridade. De acordo com a assessoria jurídica da CPT, “no caso em questão, a decisão da CPRH de não renovar a licença de operação foi devidamente fundamentada e seguiu todos os trâmites administrativos exigidos. Não é porque a empresa discorda do seu conteúdo que pode alegar que ela foi ilegal. Nesse sentido, é com muita estranheza que recebemos a decisão singular do desembargador, que determinou o religamento das turbinas em caráter liminar, ou seja, sem sequer analisar detidamente o caso”.
Ainda de acordo com a assessoria jurídica da Pastoral, “ao acatar o pedido de liminar, a decisão também desconsiderou o cenário de adoecimento e de danos socioambientais nas áreas atingidas pelo parque eólico e o total desinteresse da empresa em adotar medidas de mitigação e reparação desses danos. A postura do desembargador atropelou não apenas a autonomia administrativa da CPRH, mas também todo o seu trabalho técnico de apuração dos danos in loco e de construção de medidas mitigadoras”.
O complexo Ventos de São Clemente, que está localizado no Agreste de Pernambuco, possui 126 aerogeradores que operam ininterruptamente 24 horas por dia há dez anos, emitindo ruídos comparáveis aos de uma turbina de avião, o que tem afetado a saúde e a vida de pessoas e animais que vivem no entorno. Em razão desses e de outros impactos provocados pela empresa, as famílias afetadas decidiram realizar a mobilização na ADEPE, entre os dias 17 e 18 de fevereiro, para dar visibilidade e denunciar as violações de direitos sofridas.
Para Eurenice da Silva, agente pastoral da CPT que acompanha as famílias impactadas por empreendimentos eólicos no Agreste, o religamento das turbinas, a partir de uma decisão do TJPE, provocou um sentimento "de revolta, dor e indignação, especialmente porque constatamos que o dinheiro fala mais alto”.
Para o agricultor Walison José da Silva, “por mais que a gente tenha provas, por mais que a empresa seja irregular, o Poder Judiciário libera a empresa para continuar ‘matando’ a comunidade. É revoltante. Se fosse qualquer um de nós, agricultores, fazendo algo errado ou prejudicando a empresa, seríamos punidos na hora”. José Salgado, do Sítio Pau Ferro, em Caetés, também compartilha a indignação das famílias diante da decisão do desembargador. “É um sentimento de impunidade. É revoltante saber que quem tem o poder na ponta da caneta só se preocupa com a empresa e não com o ser humano que está sofrendo os impactos causados por ela. Não pode haver dor maior do que perceber que, para o Poder Judiciário, uma vida vale menos do que uma torre eólica”, destacou.
As famílias camponesas dos municípios onde estão instalados os aerogeradores do Complexo São Clemente prometeram não esmorecer a luta e seguirão organizadas e articuladas para rever a situação. No âmbito judicial, o próximo passo será a intimação da CPRH para apresentar esclarecimentos sobre a decisão de não renovar a licença de operação da empresa. Além disso, o Ministério Público Estadual também será chamado a se manifestar sobre a situação.