O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) publicou o relatório preliminar da missão realizada na Zona da Mata de Pernambuco em setembro de 2022. O documento, divulgado no fim de fevereiro, constata que “há evidentes violações aos direitos humanos e sociais de camponesas e camponeses da Zona da Mata do estado de Pernambuco, diante da realidade conflituosa observada na zona rural da região. Essa realidade em muito se põe ante a omissão e até conivência de autoridades de diferentes níveis da Administração Pública, seja de municípios, estado e União”.
A Missão do CNDH foi motivada pelo recebimento de denúncias feitas por organizações sociais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Fetape acerca do grave quadro de conflito agrário instaurado na região, o qual atinge mais de 1.500 famílias agricultoras posseiras. O documento apresenta com detalhes todas as atividades desempenhadas ao longo da Missão, incluindo as visitas e escutas nas comunidades vítimas de violência no campo, as reuniões com instituições e representantes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, além da audiência pública que encerrou a agenda do CNDH no estado.
O documento também aborda o complexo quadro judicial e extrajudicial que vem provocando os conflitos agrários na região, o qual tem sido denominado pelas organizações sociais de “lavagem de terras”, termo que toma como referência os conhecidos esquemas de lavagem de dinheiro. Incluem-se nesse processo diversas estratégias levadas a cabo por Usinas e empresas a elas vinculadas para manter o controle dos imóveis e desonerá-los das dívidas com o Erário federal e estadual, além de dívidas com antigos trabalhadores e trabalhadoras rurais. A realização de leilões judiciais, denunciados por conter indícios de fraude e irregularidades, é citada como uma das principais estratégias para “limpar” os imóveis de suas dívidas e expulsar as famílias agricultoras posseiras que vivem nessas localidades há gerações, incluindo antigos/as trabalhadores/as rurais credores/as dessas empresas.
Uma vez constatado o cenário de graves violações de direitos às populações camponesas da Zona da Mata, o relatório do CNDH destaca que é “imperiosa a necessidade de adoção de medidas efetivas que ponham termo às ameaças, agressões, violações dos direitos humanos e sociais, desapossamento de seus territórios, etc., que vêm sofrendo as/os trabalhadoras/es rurais dessa região pernambucana”. O CNDH inclui no relatório mais de 70 recomendações a diversas instituições e órgãos públicos federais e estaduais.
Dentre algumas, destacam-se a recomendação para o Governo de Pernambuco publicar “novos decretos de desapropriação com prioridade de regularização fundiária das terras públicas estaduais, rurais e devolutas ocupadas pelas comunidades envolvidas em conflitos coletivos pela posse da terra”; e recomendação para o Tribunal de Justiça de Pernambuco “expedir recomendação para que o Poder Judiciário realize inspeções judiciais ou exija certidão de que não há trabalhadores residindo no imóvel levado a leilão, em todos os processos que envolvam Usinas falidas ou em recuperação judicial ou nos quais esteja evidenciado o conflito agrário”.
Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o documento do CNDH é um importante instrumento que constata os relatos feitos reiteradamente por famílias camponesas e organizações sociais às autoridades sobre o dramático cenário de violência no campo na Zona da Mata. É preciso continuar a luta contra a violência no campo, ampliando a mobilização e a pressão para que o Estado execute as recomendadas indicadas, especialmente as que tratam da garantia do direito à terra das populações afetadas, sendo essas indispensáveis para colocar um fim ao martírio das famílias agricultoras e assegurar vida digna no campo.
Além dos conflitos agrários envolvendo famílias posseiras da Zona da Mata, o relatório também deu ênfase aos povos indígenas, quilombolas, pescadoras/es artesanais, marisqueiras/os e outros segmentos “que sofrem múltiplas violações a direitos, como o acesso à posse integral e pacífica do território, acesso à água, aos seus meios/instrumentos de trabalho, à saúde, à própria integridade física e a um meio ambiente sadio e equilibrado em seus territórios e arredores”.
Leia o relatório da missão do CNDH à Zona da Mata de Pernambuco: http://bit.ly/3KhjvBT
Sobre a Missão - O CNDH foi representado na Missão pelo conselheiro Marcelo Chalréo e pela conselheira Sandra Maria da Silva Andrade, além de Daniel Ribeiro, consultor para a missão ao estado. A ação contou com a participação de várias entidades, como a CPT, a Fetape, a Contag, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), além de representantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE, da Defensoria Pública da União (DPU), da Defensoria Pública do Estado (DPE), da OAB-PE, do Programa de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos do Estado de Pernambuco (PEPDDH), da Polícia Federal, da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa de Pernambuco e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal.
Sobre o CNDH - O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão colegiado de composição paritária que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil. Atua desenvolvendo ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos previstos na Constituição Federal e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil. Instituído inicialmente pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, que criou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), o colegiado foi transformado em Conselho Nacional dos Direitos Humanos pela Lei n° 12.986, de 2 de junho de 2014.