- A violência no campo não faz quarentena -
É tempo de isolamento social para conter a propagação do coronavírus, mas para o latifúndio, é tempo de violência. No município de Jaqueira, Zona da Mata Sul de Pernambuco, famílias de agricultores enfrentam um conflito fundiário com a empresa Agropecuária Mata Sul S/A há mais de dois anos. Contudo, é justamente neste período, o mais crítico da pandemia até o momento em Pernambuco, que as famílias estão denunciando graves situações, como ameaças de morte e tentativa de homicídio feitas pessoas ligadas à empresa contra camponeses da localidade.
Na tarde dessa quinta-feira, 07 de maio, representantes da comunidade do Engenho Fervedouro registraram Boletim de Ocorrência relatando que o camponês Ernande Vicente Barbosa da Silva, 52, está ameaçado de morte. A comunidade ressalta que a ameaça está relacionada à luta do agricultor junto às demais famílias para permanecerem na terra em que vivem há várias décadas. O Engenho Fervedouro, comunidade à qual Ernande pertence, é formada por cerca de 70 famílias de posseiros antigos que há mais de dois anos vêm enfrentando um conflito fundiário provocado pela empresa Agropecuária Mata Sul S/A, arrendatária de parte das terras da antiga Usina Frei Caneca, onde vivem as famílias há gerações.
Conforme registrado no Boletim de Ocorrência, o camponês foi procurado por uma pessoa que não quis se identificar e que lhe disse que sua vida estava jurada de morte pela cúpula da empresa. O caso já foi encaminhado para o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos do Estado de Pernambuco (PEPDDH/PE).
Dias antes de receber o recado de que era alvo da cúpula da empresa, no dia 24 de abril, o camponês e outros oito agricultores foram vítimas de uma tentativa de atropelamento provocada por Guilherme Maranhão, o qual vem se apresentando como sócio acionista da empresa, segundo os moradores do local. Naquela ocasião, conforme Boletim de Ocorrência registrado pelas vítimas, o empresário dirigia uma Toyota quando cruzou com o grupo de agricultores em uma das estradas do Engenho. Os camponeses contam que que empresário engatou marcha ré e, de modo brusco, acelerou deliberadamente o veículo para cima deles, que afirmam que só não houve desfecho trágico porque conseguiram escapar com rapidez da tentativa de atropelamento.
Desde que a empresa arrendatária chegou na região, há pouco mais de dois anos, o clima de tensão se instaurou não apenas na comunidade de Fervedouro, mas também nas demais comunidades que estão localizadas em Engenhos arrendados pela empresa. Ao todo, são cerca de 1.200 famílias que vivem em comunidades, como Caixa D’água, Barro Branco, Laranjeira, Fervedouro e Várzea Velha. Contudo, nas últimas semanas, com a tentativa de homicídio e a ameaça de morte denunciada pelas famílias de Fervedouro, o conflito fundiário demonstra ter atingido níveis intoleráveis, pondo em risco a vida de camponeses e camponesas da comunidade.
A Comissão Pastoral da Terra alerta para os riscos iminentes caso não sejam tomadas medidas enérgicas por parte do Estado de Pernambuco para solucionar definitivamente o conflito na região. “Estamos pedindo clemência. Nossas crianças ficam em tempo de morrer com essa situação. Hoje em dia, acordamos e abrimos as portas de nossas casas com medo. Nascemos naquelas terras, ajudamos a construir aquele lugar, é lá que temos que viver”, ressalta um dos trabalhadores rurais moradores do local.
Sobre o conflito: O conflito fundiário envolvendo ao todo mais de 1.200 famílias de várias comunidades rurais do município de Jaqueira e a empresa Agropecuária Mata Sul S/A representa bem a história da Zona da Mata de Pernambuco. Nas últimas décadas, viu-se no estado uma onda de decadência e de fechamento de muitas usinas de cana-de-açúcar, processo no qual se insere a antiga Usina Frei Caneca, desativada há mais de dez anos e detentora de débitos fiscais milionários com o estado de Pernambuco. Como estratégia para manter o controle das terras, a Usina passou a arrendá-las para terceiros. Desde 2017, por meio de contrato de cessão de arrendamento, parte de suas terras estão nas mãos da empresa Agropecuária Mata Sul S/A.
Esta nova empresa, contudo, não trabalha no ramo da cana-de-açúcar. Atua na atividade pecuária. São cerca de 5.000 hectares localizados no município de Jaqueira que estão arrendados para a empresa, o que representa cerca de 60% de todo o município. Desde que chegou ao local, a empresa passou a ameaçar as famílias que vivem nessas comunidades. Os camponeses e camponesas relatam situações de intimidações, destruições e queimadas de lavouras, destruição e contaminação de fontes d'água, ameaças, perseguições, pulverização área de agrotóxicos e esbulho de suas posses.
O conflito na região já foi denunciado ao Ministério Público Estadual, ao Incra, à Secretaria de Desenvolvimento Agrário, à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, à Prefeitura Municipal de Jaqueira, ao Governador Paulo Câmara, à Câmara de Vereadores e Vereadoras do município, à Diocese de Palmares e a Deputados e Deputadas Estaduais. O poder judiciário também foi alertado acerca das atitudes truculentas e ilegais da empresa.