Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Em petição enviada ao Judiciário, Estado de Pernambuco solicita admissão em ação judicial de reintegração de posse contra famílias camponesas, reconhece a dívida milionária da Usina Frei Caneca e a gravidade das violências feitas pela arrendatária das terras.

 

O Estado de Pernambuco solicitou à Vara Única da Comarca de Maraial, no último dia 27/02, admissão na ação judicial de reintegração de posse movida pela empresa Agropecuária Mata Sul S/A - arrendatária da desativada Usina Frei Caneca – contra as famílias camponesas da comunidade Engenho Fervedouro, localizada no município de Jaqueira, Zona da Mata Sul de Pernambuco.

A solicitação para ingressar na ação judicial ocorre após a comunidade e a CPT terem encaminhado a diversos órgãos estaduais denúncias de violência atribuídas à empresa, com a expectativa de que o Estado pudesse atuar na resolução do conflito, garantindo a permanência das famílias no local onde vivem há mais de 60 anos. A ação judicial em questão refere-se à comunidade Fervedouro, mas o conflito fundiário em questão está impactando ao todo 1.200 famílias de várias comunidades camponesas do município de Jaqueira.

O pedido de ingresso no processo é de amicus curiae, expressão em latim que significa “amigo da corte”. O termo faz referência à participação de terceiros em processos jurídicos, com o objetivo de subsidiar a Corte com informações relevantes sobre a causa a ser julgada.

Em petição enviada à Comarca de Maraial, o Estado de Pernambuco reconhece que a Usina Frei Caneca S/A (proprietária das terras arrendadas pela empresa Agropecuária Mata Sul S/A) “possui 18 (dezoito) débitos fiscais com o Estado de Pernambuco que somam R$ 61.506.085,94, em valores atualizados até o dia 27/02/2020. Os imóveis rurais objeto das escrituras públicas de arrendamento e cessão estão penhorados em razão das execuções fiscais movidas, em trâmite perante este D. Juízo, muitas com embargos à execução fiscal já transitado em julgado em favor do Estado de Pernambuco”.

No documento, o Estado também admite que “a presente ação [de reintegração de posse] veio a deflagrar conflito agrário com contornos violentos na região sob jurisdição desta Comarca, uma vez que a citada sociedade empresarial arrendatária tem pleiteado, de fato, o afastamento de diversas famílias que exercem posse antiga sobre partes das terras”.

A solicitação de admissão como amicus curiae deverá ser julgada nas próximas semanas. Para José Adriano, da Associação de Moradores/as do Engenho Fervedouro, a expectativa da comunidade é de que o Estado possa tomar como prioridade a zona rural, os agricultores e as agricultoras que estão em situação de conflito fundiário na região. “Se a comunidade camponesa sair da terra, quem vai produzir alimentos para a cidade? Queremos que a empresa arrendatária pare com as violências e as ameaças contra as famílias, contra os agricultores e agricultoras, para que possamos ter uma vida digna e produzir alimentos sem ameaças e violências”, destaca. 

 

Entenda o conflito:

No município de Jaqueira, Zona da Mata Sul do Estado de Pernambuco, vivem cerca de 1.200 famílias camponesas posseiras distribuídas nas comunidades rurais denominadas Caixa D’água, Barro Branco, Laranjeira, Fervedouro, Várzea Velha, entre outras. Estas comunidades são compostas por famílias camponesas posseiras, que vivem no local há mais de sessenta anos, desenvolvendo a atividade agrícola, da qual retiram seu sustento. Organizam-se em agrovilas ou em sítios, e possuem vasta produção de alimentos, tais como banana, macaxeira, milho, inhame, batata e diversas frutas e hortaliças. As famílias vivem em terras da desativada Usina Frei Caneca, que parou de cultivar no imóvel há mais de dez anos. Desde então, a Usina vem arrendando a área para outras empresas.

No fim de 2017, a empresa Agropecuária Mata Sul S/A (à época denominada Negócio Imobiliária S/A) tornou-se cessionária de arrendamento de grande parte das terras pertencentes à desativada Usina Frei Caneca. São cerca de cinco mil hectares localizados no município de Jaqueira arrendados para que a empresa desenvolva atividade pecuária. Este número corresponde a aproximadamente 60% de todo o território do município.

Desde que a empresa chegou à área, os camponeses e as camponesas dessas comunidades relatam situações de intimidações, destruições e queimadas de lavouras e mata nativa, destruição de fontes d'água, ameaças e perseguições, além de esbulho de suas posses, por meio do cercamento das terras onde plantam os/as agricultoras/es. Segundo informações recebidas pela CPT, parte do corpo de funcionários da empresa é composto por policiais militares aposentados que rondam as comunidades portando pistolas e algemas.

Atualmente, existem cerca de trinta ações possessórias, coletivas e individuais, ajuizadas pela empresa contra famílias do local. O caso já foi denunciado à Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado, à Procuradoria Geral do Estado (PGE), ao Ministério Público Estadual, ao Ministério Público Federal (MPF), ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Incra, à Prefeitura Municipal de Jaqueira, à Câmara de Vereadores e Vereadoras do município, à Diocese de Palmares e a Deputados e Deputadas Estaduais. O poder judiciário também foi alertado das atitudes abusivas e ilegais da empresa.

A Frei Caneca também figura entre os 100 maiores devedores da Justiça do Trabalho de Pernambuco, com base no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), com 123 processos em fase de execução, conforme informações extraídas no site do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

 

 

Por CPT NE2

 

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