Famílias de comunidades camponesas que vivem na região estão fortalecendo a conexão com seus antepassados e construindo autonomia por meio do cultivo de sementes crioulas
No último dia 09 de outubro, foi realizado na comunidade do Una, no município de Moreno/PE, o I Encontro de Sementes livres da Zona da Mata de Pernambuco. O encontro objetivou incentivar cada família a partilhar, produzir e conservar suas próprias sementes crioulas, fortalecendo a agroecologia e a autonomia frente às indústrias de sementes transgênicas e frente ao sistema monocultor da cana-de-açúcar predominante na região.
A ação é resultado de um processo de valorização, cuidado e cultivo de sementes crioulas que vem sendo intensificado nos últimos anos pelas famílias da região com o apoio da equipe de CPT que atua na Mata Norte do estado. Estas sementes são aquelas que não tiveram sua estrutura genética modificada pela indústria e não são patenteadas ou controladas por nenhuma empresa. São preservadas por camponeses e camponesas e passadas de geração em geração. Por isso, as chamamos de sementes livres, símbolo da resistência e da autonomia camponesa.
Durante a atividade, as famílias puderam avaliar como foram o plantio e a colheita desse ano, além de trocar experiências, desafios e aprendizados adquiridos com o cultivo das sementes livres. Para animar e provocar o debate, estiveram presentes o agente pastoral da CPT, Plácido Júnior, e o extensionista rural do IPA e membro da Rede de Sementes Crioulas do Agreste Meridional de Pernambuco - Rede SEMEAM, Pedro Balensifer.
O encontro também proporcionou a partilha de diversas variedades de sementes entre as famílias presentes, envolvendo também agricultores/as de comunidades que ainda não possuem nenhuma espécie de sementes livres. Este foi o caso da comunidade de Fervedouro, localizada no município de Jaqueira, Zona da Mata Sul do Estado, que está enfrentando um violento conflito fundiário e luta para permanecer no local onde vive há várias décadas. As sementes livres chegam como mais um suporte e animo para a resistência. “Que a gente possa fazer um encontro desse tipo, de partilha de sementes crioulas, na nossa comunidade” ressalta uma das agricultoras que vive no local.
Participaram do encontro cerca de 60 agricultores e agricultoras da comunidade do Una, em Moreno; das comunidades Nova Canaã e Chico Mendes, no município de Tracunhaém; das comunidades Dom Helder Câmara, Mariano Sales e Belo Horizonte, no município de Aliança; e da comunidade de Fervedouro, no município de Jaqueira. Além dos/as agricultores/as e de membros da CPT, estiveram presentes alunos e professores do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE). A atividade contou ainda com a presença de representantes da entidade AMU – Action pour um Monde Uni, de Luxemburgo, que vieram ao país para conhecer as práticas agroecológicas existentes nas comunidades acompanhadas pela CPT e também para ver a realidade dos impactos provocados pelo monocultivo sucroalcooleiro na região.
Cuidar da semente é cuidar da vida! – Esta foi a frase que permeou todo o I Encontro de Sementes livres da Zona da Mata de Pernambuco. Nas palavras dos/as participantes/as, a iniciativa representa muito mais do que uma contraposição ao monocultivo açucareiro na região. Representa autonomia camponesa e o cuidado com a vida, a diversidade e a produção de alimentos saudáveis. Para a camponesa Soneide Gomes, da comunidade do Una, “o encontro significou mais um passo para a libertação contra o monocultivo da cana-de-açúcar. Víamos, há poucos anos, um povo sofrido e escravizado no corte da cana, hoje vemos o sonho no rosto de cada pessoa que planta as diversas variedades de sementes crioulas, sementes puras, dignas do sonho de nossa gente”.
Pedro Balensifer, extensionista do IPA, também avalia a experiência como positiva e ressalta que “a CPT está sendo pioneira ao trazer o debate das sementes crioulas na Zona da Mata de Pernambuco, sobretudo numa perspectiva de diversificação dessa região historicamente dominada pelo monocultivo da cana-de-açúcar”.
O professor do IFPE, André Luís Gonçalves, considera que a ação fortalece os laços da agricultura familiar, integra os saberes acadêmicos com o tradicional e cria pontes. “Vimos nos olhos dos agricultores e das agricultoras a satisfação deles/as em trocar as sementes, em adquirir novos conhecimentos, sempre de uma maneira dialógica e participativa”.
Já para a jovem camponesa Auda Maria da Silva, de 24 anos, da comunidade de Chico Mendes, em Tracunhaém, o momento faz parte de processo de “resgate das sementes que meus avôs cultivavam. Por isso, ao mesmo tempo em que guardamos as sementes, preservamos além da vida. Preservamos uma história, uma herança e garantimos um futuro sustentável para as futuras gerações. Para mim, é maravilhoso participar desse momento tão importante para todos nós. Com isso, sei que futuramente meus filhos e netos poderão conhecer e se alimentar de um alimento vindo a partir das sementes que hoje cultivamos e multiplicamos. Nós, agricultoras e agricultores, temos uma missão que devemos cumprir, e com a ajuda de Deus daremos continuidade à diversidade das sementes crioulas”.
As famílias saíram do encontro decididas a darem mais passos rumo ao fortalecimento das sementes livres e da diversidade camponesa. A perspectiva é de que, a partir de agora, iniciem processos de consolidação de casas comunitárias de sementes livres e de que sigam partilhando não apenas sementes, mas também diversidade, autonomia, saúde e cuidado com a Vida.
Por CPT NE2