Informe
A Comissão Pastoral da Terra (CPT NE2) acompanhou, durante toda essa segunda-feira, 16/09/2019, a comitiva de Deputados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal (CDHM) em uma diligência sobre a situação do processo de reintegração de posse de uma área comunitária do assentamento Normandia, no município de Caruaru/PE, onde hoje funciona o Centro de Formação Paulo Freire. Durante todo o dia, a comitiva realizou diversas reuniões com representantes do poder judiciário e órgãos de governo.
A comitiva foi composta pelos Deputados Federais representantes da CDHM - Carlos Veras (PE), Valmir Assunção (BA), João Daniel (SE) e representantes do Gabinete do Deputado Federal Túlio Gadêlha -, pelo Deputado Estadual Isaltino Nascimento e, representando a sociedade civil, Marcelo Santa Cruz, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Recife e Olinda, Alexandre Conceição, do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) e Plácido Junior, da CPT. Além desses, o Deputado Federal Tadeu Alencar, a Deputada Federal Marília Arraes e a Mandata coletiva das deputadas estaduais Juntas se fizeram presentes em algumas das reuniões ocorridas na parte da manhã.
A Comitiva realizou uma verdadeira peregrinação, uma liturgia jurídica/política para incidir em defesa do Centro de Formação Paulo Freire e evitar a concretização do despejo. Foram seis reuniões realizadas. Pela manhã, a comitiva se reuniu com o presidente do TRF 5, Dr. Vladimir Carvalho e com a Dra. Joana Carolina Lins Pereira. Em seguida, foi realizada reunião com representantes do Governo do Estado, com a participação dos secretários Dilson Peixoto, da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária, e Sileno Guedes, da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude. Na ocasião, ambos afirmaram o compromisso do Governador Paulo Câmara em contribuir para a resolução do impasse.
Já no início da tarde, a comitiva se reuniu com o Superintendente do Incra SR-03, Marcos Campos. O superintende afirmou haver a possibilidade de ceder a área para um ente federativo como forma de resolver o conflito. Falou também que foi notificado pela Justiça Federal sobre a realização de uma audiência de conciliação e que não se sentia capaz de interceder no caso, apontando, por isso, que a decisão deveria ser tomada pelo Presidente Nacional do órgão. No entanto, expressou sua postura preconceituosa com o MST ao enfatizar não concordar com a bandeira do Movimento erguida no Centro. Foi uma observação apequenada diante da dimensão e da importância do Centro de Formação Paulo Freire.
Ainda durante a tarde, a comitiva se dirigiu até o município de Caruaru, onde participou de mais três compromissos. Lá, houve reunião com representantes do Ministério Público Federal, que solicitaram uma audiência de conciliação no processo. Também realizou visita ao Juiz federal que concedeu a liminar de reintegração de posse. Apesar de enfatizar que teria pouco a fazer, o Juiz afirmou que abriu um processo de conciliação entre o Incra e o Centro (como já citado acima), para tentar solucionar o caso por meio do consenso, e que não caberia, neste momento, pensar em reintegração de posse, pois espera um pronunciamento do Incra Nacional sobre esta conciliação. Por fim, já durante a noite, a comitiva chegou ao assentamento Normandia, no acampamento da resistência. Na ocasião, o povo estava mobilizado, muito animado e com disposição para garantir os direitos conquistados.
Área alvo de litígio
No assentamento Normandia, que possui pouco mais de 500 hectares, vivem 41 famílias camponesas em seus lotes produtivos. O assentamento possui também uma área de Reserva Legal e de Preservação Permanente e o espaço comunitário de 14 hectares onde funciona o Centro de Formação Paulo Freire (CFPF), três agroindústrias (de raízes e tubérculos, abatedouro e de produção de bolos e pães), uma academia da cidade, adaptada para o campo, e uma Igreja Católica. É esta área de 14 hectares que é alvo da liminar de reintegração de posse movida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em um processo judicial iniciado ainda em 2008.
No Centro, inúmeros cursos foram e são realizados em parceria com diversas Universidades e Centros de Ensino, como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a Universidade de Pernambuco (UPE), o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), entre outros. Funcionários do Incra já passaram por diversos processos formativos e de capacitação no CFPF; o Estado de Pernambuco já realizou vários investimos no local e também usufrui do espaço, que recepciona atividades do Programa Estadual de Ensino de Jovens e Adultos (EJA), por exemplo; diversos movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores/as do campo e da cidade utilizam este espaço que, segundo estimativa do Movimento, já acolheu mais de cem mil pessoas. Em outras palavras, o Centro de Formação Paulo Freire construído pelo MST em consonância com o assentamento foi presenteado para a sociedade brasileira.
Além dos processos formativos e de capacitação, existe também uma dinâmica de organização produtiva surpreendente. As três agroindústrias que ali funcionam, gerando emprego e renda, ofertam alimentação escolar para mais de 40 mil crianças que estudam no município de Caruaru. As agroindústrias também abastecem de merenda escolar mais de 16 municípios da região e diversas escolas do Recife. Isso não é pouca coisa. Mauricéia Matias, representanta da associação dos moradores/as e assentados e assentadas de Normandia lembra que “na semana passada levamos mais de 40 toneladas de alimentos para o fornecimentos de merenda escolar na rede municipal do Recife”. Não se alcança este nível de produção e de organização de um dia para o outro. Também não se alcança sozinho.
Em resumo, hoje, o contexto – estrutural e político - em que se encontra o Centro é completamente distinto daquele que gerou, em 2008, o processo judicial que resultou nesta liminar de reintegração de posse. Diversas estruturas foram consolidadas durante esses últimos dez anos no local. As famílias do assentamento Normandia usufruem todos os espaços e estruturas contidas nos 14 hectares em litígio, não havendo atualmente discordâncias com relação à existência do Centro. Em todos os encontros realizados pela comitiva, houve o reconhecimento comum de que o motivo que originou a ação processual contra a construção do Centro de Formação não existe mais, configurando-se, desta forma, em perda do objeto da ação.
Durante as diligências realizadas pela comitiva, o MST reafirmou seu compromisso de não retroceder e seguir na luta em defesa do Centro. É lamentável que o Incra, ente que deveria servir aos interesses dos povos do campo, esteja operando a destruição de uma das maiores referências de educação popular do Brasil. Nos somamos à luta e nos colocamos a disposição nesta resistência.
Paulo Freire Vive!
Viva o Centro de Formação Paulo Freire!
Texto: Plácido Junior, agente pastoral da CPT Equipe Mata Norte
Imagens: Micheline Américo