Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Em Pernambuco, segundo dados do Incra, existem 678.025,57 hectares de terras improdutivas, referentes às grandes propriedades e que estão disponíveis para fazer uma ampla Reforma Agrária, associada à demarcação dos territórios tradicionalmente ocupados. Por outro lado, segundo as organizações de luta pela terra, são mais de vinte mil famílias acampadas, 11 povos indígenas e 109 comunidades quilombolas existentes no estado. Nos últimos anos, este mesmo estado tem chamado a atenção pelo volume de recursos recebidos do Governo Federal.
Em recente visita feita pela presidenta Dilma, foi anunciado mais um investimento de dois bilhões para Pernambuco. Dinheiro não falta. Se não falta terra, não falta gente e não falta dinheiro, por que não se faz a Reforma Agrária e não se demarcam os territórios tradicionalmente ocupados?
 
 
 
 
*Plácido Junior
 
 
 
Todos esses recursos são destinados aos “Grandes” projetos que vêm pavimentando o território pernambucano para a acumulação acelerada do capital e entram em choque, criando tensões com diversos povos e comunidades camponesas. Essas tensões são causadas e intensificadas pela natureza do Estado brasileiro, em seu processo de colonização interna. Ou seja, o Estado não leva em conta que dentro do seu território, neste caso, em Pernambuco, existem distintas territorialidades. Há no estado uma diversificação de identidades sociais e culturais, com um enorme dinamismo territorial. Desta forma, ao tentar homogeneizar o território, através de sua política desenvolvimentista com a implantação de “grandes” projetos, o Estado intensifica estas tensões territoriais. A pluralidade do campo pernambucano, com suas lógicas de apropriação dos bens naturais, não convive com a lógica homogeneizadora e mercantilista do capital. As terras/territórios estão sendo disputados, em um jogo desigual, entre as “grandes” empresas e as populações que ocupam tradicionalmente esses territórios. São povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, posseiros e sitiantes. Estas tensões territoriais no Estado revelam o lado não propagandeado dos “Grandes” Projetos. Revela a natureza do Estado brasileiro. Revela a luta de re-existência de um povo que está sendo exilado em seu próprio País.
 
 
 
 
 
Assim, o avanço do capital no campo tem atingido diretamente várias comunidades e povos. A Transposição do Rio São Francisco tem impactado negativamente os territórios dos povos indígenas e das comunidades quilombolas que vivem na bacia hidrográfica do Velho Chico. Nessas áreas, indenizações irrisórias foram propostas, como a que presenciamos no município de Floresta, cujo valor do hectare chegou a R$ 126,00. A Transnordestina vem atingindo as comunidades, com processos de despejos contra as famílias e demolições de suas casas, como são os casos dos moradores de Flexeiras (município de Escada), em Pombos, Ribeirão e Palmares (Zona da Mata), no Ibura (Recife), em Afogados da Ingazeira (Sertão). Estas ações de despejos e demolições, movidas pela Transnordestina Logística S/A contra as comunidades estão ocorrendo sem o mínimo de diálogo. As famílias são obrigadas a deixarem o lugar onde vivem há décadas. Para elas, restou a luta e a organização. Foi a partir de várias mobilizações e denúncias que a Defensoria Pública da União moveu uma Ação Civil Pública para garantir o direito humano à moradia às famílias, como tentativa de minimizar os impactos da Transnordestina.
 
 
 
 
 
O Canal do Sertão já causa preocupação aos pequenos agricultores da região do Araripe. A Região é um celeiro de produção de feijão, milho, bode e pecuária leiteira. Tudo isso está sendo ameaçado com a chegada do canal, que substituirá a diversidade e cultura camponesa pelo injusto e violento monocultivo da cana.Na Zona da Mata, o monocultivo da cana continua a expulsar os sitiantes para expandir a produção de cana. Os casos dos sitiantes dos Engenhos Una, Araújo, Covas, Camaçari, Pichaó e Poço Dantas, pertencentes à falida Usina Bulhões, no município de Moreno, são emblemáticos. Estes casos mostram dois movimentos: o primeiro é que a expansão da cana só ocorre por cima dos territórios camponeses, expulsando famílias das terras, com ameaça e violência. O segundo, é a ineficiência do Estado - podemos dizer a conivência do Estado com este estado de coisas. Pois, a Usina Bulhões é devedora dos cofres públicos, além de não respeitar os direitos trabalhistas. No entanto, o Estado não consegue cobrar a dívida e garantir os direito dos trabalhadores e sitiantes.
 
 
Este tem sido o comportamento do Estado brasileiro ao longo do tempo. Para servir ao latifúndio açucareiro, a partir de meados do século XVII, a pecuária foi levada para o Sertão tendo como base o latifúndio e se desenvolvendo sobre os territórios indígenas. Desta forma, o latifúndio se introduziu do Litoral ao Sertão. Com a questão da seca na Região, os latifundiários não deixaram de lucrar e aumentar seu controle sobre estes territórios. A maioria dos açudes foi construída nas propriedades privadas, aumentando o poder das grandes propriedades no Sertão: controle das terras e das águas.
 
 
 
 
 
Recentemente, as chamadas “grandes” obras, citadas anteriormente, se apresentam como mais um capítulo da mesma novela: o público a serviço do privado. Sem os volumosos recursos públicos, estas “grandes” obras não sairiam do papel. O Estado sempre atuou para atender as demandas da acumulação do capital em detrimento da agricultura camponesa e dos territórios tradicionalmente ocupados. Foi assim contra o Quilombo dos Palmares, contra Canudos, contra as Ligas Camponesas e atualmente, com o processo de criminalização, contra as populações e organizações de luta pela terra e pelo território. Apesar deste quadro, os povos não se cansam de lutar. São povos em luta pelo direito de terem direitos. São povos que, mesmo exilados em seu próprio País, não se cansam de sonhar e lutar pelo Brasil que nós queremos. Mesmo tendo terra, gente e dinheiro em Pernambuco, não se faz uma ampla Reforma Agrária e não se demarcam os territórios tradicionalmente ocupados, pois o Estado brasileiro e seus sucessivos Governos fizeram a opção preferencial pelo capital.
 
 
 
 
 
 
 
Os novos e velhos sujeitos implicados nas novas e velhas tensões territoriais nos obrigam a refletir e analisar o processo de des-envolvimento em curso. Com os três artigos “A Questão Agrária em Pernambuco I, II e III” esperamos ter contribuído com a atualização deste debate acerca da questão agrária no Estado.
 


 
* Plácido Junior é geógrafo e Agente da Comissão Pastoral da Terra

 

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