Artigo
Este faz parte de uma série de artigos que trazem os novos/velhos elementos e reflexões para um debate acerca da questão agrária em Pernambuco na atualidade. Os artigos serão escritos e publicizados ao longo deste mês.
Em 2010 o INCRA de Pernambuco, SR03, não assentou nenhuma família de Trabalhadores e trabalhadoras rurais sem Terra. Em 2011, o Instituto teve seu novo Superintendente nomeado apenas no fim de agosto e, como era de se esperar, repetiu o feitio de 2010, ou seja, não assentou nenhuma nova família sem terra. Mas qual é o problema? Falta terra? Falta gente para ser assentada? Ao longo de seus 41 anos de existência, o INCRA assentou aproximadamente 20 mil famílias Sem Terras em Pernambuco. Ou seja, ainda que pese sob o Estado toda a história de luta pela terra e território, passando pelo quilombo dos Palmares, as Ligas Camponesas e atualmente as organizações do campo, o INCRA só foi capaz de assentar cerca de 20 mil famílias no Estado.
*Plácido Júnior
Esse dado por si só já é preocupante, haja vista que, de acordo com as organizações do campo em Pernambuco, existem outras 20 mil famílias em baixo da lona preta lutando por terra, embora o INCRA reconheça que este número seja de apenas de 17 mil. Se o órgão continuar com o seu ritmo histórico em criar assentamentos da Reforma Agrária, estas 20 mil famílias hoje acampadas no Estado só serão assentadas daqui a 41 anos.
Não nos esqueçamos também das 109 comunidades quilombolas auto reconhecidas no Estado e que cabe ao INCRA demarcar e titular seus territórios. De todas estas, apenas o quilombo de Castainho, em Garanhuns, e Conceição da Crioulas, em Salgueiro, foram demarcadas e tituladas. Soma-se a este quadro a situação dos 11 povos indígenas reconhecidos em Pernambuco: apenas o povo Xukuru está com o processo de desintrusão quase finalizado, enquanto os outros povos aguardam em luta para terem seus territórios completamente reconhecidos. Além disso, as comunidades de pescadores tradicionais no Estado lutam para a criação de Reservas Extrativistas como forma de garantia dos território da pesca artesanal, como exemplo da RESEX Sirinhaém/Ipojuca, cujo processo já foi concluído pelo ICMBio mas não se cria por ingerência do Governador de Pernambuco, além da RESEX de Rio Formoso que ainda está em fase de estudos.
Bom, gente não falta. São Sem Terras, Quilombolas, Povos Indígenas, Pescadores e Pescadoras artesanais, Ribeirinhos, Posseiros, Sitiantes: todo um campesinato que espera, em luta, a conquista da terra ou o reconhecimento e demarcação de seus territórios. Então se não falta gente, falta terra?
Segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR/ INCRA), referente ao total de imóveis rurais e do total de área cadastradas (em hectares), em Pernambuco existem 687 grandes propriedades classificadas como IMPRODUTIVAS. Ou seja, essas propriedades já poderiam ter sido adquiridas pelo INCRA para o programa de Reforma Agrária do Governo Federal. Ainda segundo o SNCR, estas 687 grandes propriedades improdutivas correspondem a um total de 678.025,57 hectares de terras.
Pra se ter uma ideia, se levarmos em consideração o tamanho referência dos lotes em hectares, nas três mesorregiões do Estado de Pernambuco: Zona da Mata (12,3 ha), Agreste (22,5 ha) e Sertão (60 ha) -, segundo o II Plano Regional de Reforma Agrária de Pernambuco, o INCRA poderia assentar respectivamente 55.124, 30.134 e 11.300 famílias Sem terra. Ou ainda, se levarmos em consideração o Sertão do São Francisco irrigado, em Petrolina ou Itaparica, cujos lotes medem em média 8 hectares, daria para o INCRA assentar 84.753 famílias.
Estamos falando apenas das Grandes propriedades improdutivas. Se incluirmos as 3.871 médias propriedades improdutivas como indicam os dados do SNCR (e que podem ser desapropriadas desde que o proprietário tenha uma segunda propriedade rural), somam-se mais 1.058.810,59 hectares de terras improdutivas que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária em Pernambuco.
Como podemos ver, não falta gente e não falta terra em Pernambuco. O que falta é vontade política do Governo Federal e do INCRA para realizar uma ampla Reforma Agrária. O órgão não precisa sair à procura de “novas” terras, pois todas as informações referentes às famílias Sem Terra e sobre terras improdutivas no estado encontram-se no próprio banco de dados do INCRA. Enquanto não se faz a Reforma Agrária, o agronegócio avança no campo mutilando vidas e sonhos.
* Plácido Junior é geógrafo e agente da Comissão Pastoral da Terra.