Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, morto em 19 de maio de 1997, no município de São Miguel de Taipu, na Paraíba. A leitura da sentença foi feita na última terça-feira (18) e reconhece a responsabilidade internacional do Brasil “pela situação de impunidade dos fatos”.

O caso foi apresentado pela Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Dignitatis, que denunciaram o Brasil pela violação dos direitos às garantias judiciais, à proteção judicial e à integridade moral e psíquica dos familiares da vítima.

Justiça tardia, mas necessária

A investigação e o julgamento do crime no país foram marcados por falhas, como a demora na perícia, a não apreensão da arma do crime e a desconsideração do contexto de violência contra trabalhadores rurais na região. A Corte IDH considerou que a duração da investigação e do processo penal por mais de 22 anos constituiu uma violação da garantia do prazo razoável e uma negação de justiça. Além disso, avaliou que houve violação do direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima.

Em uma audiência realizada em fevereiro do ano passado, o Brasil reconheceu que violou direitos humanos na condução do processo e pediu desculpas oficialmente aos familiares de Manoel Luiz. No entanto, o Brasil não reconheceu a violação do direito à verdade e sua relação com a violência contra trabalhadores rurais.

A sentença da Corte determina que o Brasil indenize os parentes de Manoel Luiz, ofereça suporte médico e psicológico adequado e realize um ato público de reconhecimento da responsabilidade do Estado. As medidas incluem indenizações compensatórias de 20 mil dólares para cada familiar, tratamento gratuito para a esposa e o filho de Manuel Luís e a implementação, no prazo de dois anos, de um sistema regional de monitoramento da violência contra trabalhadores rurais na Paraíba.

O país também deverá publicar, no prazo de seis meses, um resumo oficial da decisão nos Diários Oficiais da União e da Paraíba, além de manter o documento disponível por um ano nos sites do Governo Federal, do Ministério Público e do Tribunal de Justiça estadual.

Tânia Maria de Sousa, agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), acompanhou o caso desde o início e comentou a decisão da Corte IDH: “Estou com sentimento de justiça, apesar de que já vai fazer, em maio, 28 anos do assassinato de Manoel Luiz. Uma vez que a justiça no Brasil absolveu os acusados, essa iniciativa, da Justiça Global com a Comissão Pastoral da Terra e a Dignitatis, de levar à Corte Interamericana para julgar o país, dá uma sensação de que, mesmo tarde, a justiça está acontecendo”, afirmou.

Para Manoel Adelino de Lima, filho de Manoel Luiz, a decisão da Corte representa uma forma de reconhecimento da luta de seu pai. “É importante saber que o que aconteceu com meu pai não foi inútil. A morte do meu pai não foi em vão. A CPT correu atrás e a morte do meu pai não foi esquecida. Espero que isso venha para melhorar, para o pessoal do campo ter mais qualidade de vida e mais respeito”, afirmou.

Agora, o desafio, segundo Noaldo Meireles, advogado e assessor jurídico da CPT em João Pessoa, é garantir que as medidas determinadas pela Corte sejam implementadas dentro dos prazos estabelecidos.

Um passo importante na luta pela terra

Após a leitura da sentença, na semana passada, Tânia celebrou a decisão: “Para mim foi a maior satisfação escutar uma Corte Interamericana ler uma sentença contra o Estado brasileiro, que nega os Direitos Humanos e violenta um trabalhador que luta pela terra”, disse. 

A agente pastoral também agradeceu a parceria com as organizações que se uniram por justiça: “Minha gratidão à Justiça Global e à Dignitatis por se juntar conosco e embarcar nessa luta para que a justiça seja feita. Isso criou mais expectativa para que o caso de Manoel Luiz realmente tenha um resultado positivo e que a família seja justiçada também por esses anos de negação do Estado brasileiro”, concluiu.

O martírio de Manoel Luiz da Silva

Manoel Luiz da Silva, à época com 40 anos, foi executado a tiros por capangas da Fazenda Engenho Itaipu enquanto voltava de uma mercearia com outros três trabalhadores sem-terra. O grupo foi atacado ao passar por uma estrada dentro da fazenda, que estava em processo de expropriação para a reforma agrária. Os agressores abriram fogo, atingindo Manoel, que morreu no local, enquanto os outros dois trabalhadores conseguiram fugir.  

A conquista da terra veio no ano seguinte, em 1998. A Fazenda Itaipu, reivindicada pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais acampados na época, deu lugar ao assentamento Novo Itaipu.  

Em 2003, os dois acusados do assassinato foram absolvidos pela Justiça brasileira, e um terceiro suspeito jamais foi localizado. Nenhuma investigação foi conduzida contra o proprietário da fazenda, apesar das ameaças constantes contra trabalhadores rurais na região.  

Manoel Luiz da Silva foi assassinado por lutar pelo direito à terra e à dignidade de sua família. Sua morte não foi um caso isolado. Ao longo da história, inúmeros trabalhadores rurais foram vítimas da violência no campo, marcada por assassinatos, ameaças, perseguições, despejos e destruição de lavouras e moradias.  

O caso de Manoel segue como um lembrete da urgência de políticas públicas que garantam a segurança e os direitos dos trabalhadores rurais no Brasil. A condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos representa um passo na busca por justiça, mas o país ainda enfrenta um longo caminho para assegurar proteção efetiva aos que lutam pela terra e pela dignidade.  

Caso Almir Muniz também está na Corte IDH  

Assim como no caso de Manoel Luiz, as organizações peticionárias que levaram essa ação à Corte Interamericana de Direitos Humanos denunciam inúmeras falhas e omissões na investigação do desaparecimento de outro trabalhador rural: Almir Muniz.

Como as audiências desses casos ocorreram paralelamente, a expectativa é que o próximo julgamento aconteça entre março e abril. “A esperança é que, com a condenação, seja dada sequência também ao caso de Almir Muniz ainda nesse início de ano”, afirmou Tânia Maria.

Almir desapareceu em 29 de junho de 2002, após trafegar com seu trator por uma estrada que levava à Fazenda Tanques, em Itabaiana (PB). Líder na luta pela terra, ele fazia parte de um grupo de famílias que reivindicava a criação de um assentamento na região.

Em 2004, a Fazenda Tanques foi desapropriada para fins de reforma agrária, e o assentamento criado recebeu seu nome.

O caso, porém, foi arquivado em 2009, sem sequer ter sido levado a julgamento. O corpo de Almir Muniz nunca foi encontrado. Seu trator foi localizado quase uma semana depois, já no estado de Pernambuco, abandonado em um canavial e coberto de lama, em uma aparente tentativa de ocultação de provas.

Antes do desaparecimento de Almir, famílias da comunidade já denunciavam reiteradamente as violências sofridas. Relatos indicam que jagunços da fazenda, sob o comando do policial civil Sérgio de Souza Azevedo, praticavam agressões físicas e psicológicas contra os trabalhadores.

O julgamento do caso Almir Muniz pela Corte Interamericana representa um marco histórico: é o primeiro caso brasileiro de desaparecimento forçado no contexto da luta pela reforma agrária e um dos primeiros a tratar dessa grave violação de direitos humanos no período pós-1988.

 

Por Lara Tapety | CPT Alagoas

 

Fotos: 
1) Equipe da CPT, Justiça Global e Dignitatis com advogados e a família de Manoel Luiz.
2) Sessão de 2024 da Corte Interamericana ouviu o filho de Manoel Luiz da Silva — Foto: Ruggeron Reis/Justiça Global
3) Cartaz sobre Manoel Luiz 

 

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