O livro Imagens de Resistência- Resistir para Existir foi lançado no Brasil neste último sábado, 04 de novembro, no assentamento Almir Muniz, Itabaiana, (PB). O livro revela, através das fotografias de Carmelo Fioraso e poesias do camponês João Muniz, a realidade dos camponeses e camponesas que lutam por suas terras e territórios, resistem e teimam em existir. Foram dois anos de ensaio fotográfico, realizados em 2009 e 2010, registrando imagens das comunidades tradicionais, acampamentos, assentamentos e trabalhadores nos canaviais do estado de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo. Em dezembro de 2010, o livro foi lançado na cidade de Valdagno, Itália. No Brasil, os exemplares serão vendidos ao valor de RS 20,00.
Carmelo Fioraso e João Muniz, durante o lançamento do livro - Foto: Marluce Melo\CPT
O fotografo italiano e cooperante da Comissão Pastoral da Terra, Carmelo Fioraso, declara que o lançamento em seu país teve como finalidade provocar na sociedade italiana uma preocupação com outros povos, além de debater a situação agrária brasileira na era do etanol. Para ele, o lançamento na comunidade neste último sábado foi muito mais emocionante por compartilhar com os protagonistas do livro o resultado de seu trabalho.
O poeta João Muniz, 30 anos, nasceu na cidade de Itabaiana (PB), no povoado camponês Mendonça dos Moreiras, vizinho à antiga Fazenda Tanques, que hoje é o assentamento Almir Muniz, onde vive atualmente. Essa região foi marcada historicamente por duas culturas: a da poesia popular, radical em sua clareza; e a do latifúndio da cana de açúcar, violento por natureza.
Desde a infância, junto com centenas de famílias camponesas, João vivenciou a luta pela Terra e o enfrentamento ao monocultivo da cana de açúcar no estado. O assentamento onde vive foi conquistado a partir da organização e persistência das famílias de trabalhadores rurais que nele vivem. A área leva o nome de seu primo, Almir Muniz, assassinado a mando dos Usineiros da Região.
Crianças, jovens e adultos do assentamento Almir Muniz durante o lançamento do livro - Fotos: Carmelo Fioraso\CPT
Fotos: Carmelo Fioraso\CPT
Os poetas não calam
Além da presença do poeta João Muniz, do fotografo Carmelo Fioraso e das famílias assentadas, estavam presentes também os poetas populares da região, como Antônio Augusto Moreira, Manoel Muniz e José Martins que prestigiaram o lançamento com suas cantorias e repentes.
Os cantadores despertaram a atenção do público de todas as idades, que ouviu atento as cantorias e repentes. O tema central foi sempre a terra, a reforma agrária, as histórias dos conflitos e lutas pela terra na Paraíba. Os poetas sempre versavam que a terra é de Deus, de Jesus e que somos moradores. “É da terra que o agricultor tira o Pão da Vida”, cantou o poeta Augusto Moreira.
Em entrevista, João Muniz conta que desde criança aprendeu a resistir através da poesia, acompanhando o pai e o tio, poetas, nas feiras e festivais de várias cidades na região. Através das poesias apresentadas no livro, João Muniz conta a história de resistência das comunidades camponesas contra o latifúndio, seus valores e sua cultura. João Muniz falou que a reforma agrária está parada, mas os poetas não podem calar, tem que denunciar a situação do campo brasileiro.
Confira a entrevista:
O Campones e poeta João Muniz - Foto: Carmelo Fioraso\CPT
CPT NE II- Como você está se sentindo ao ver o livro com suas poesias ser lançado na comunidade onde você vive?
João Muniz - Algumas vezes acho não ser verdade ter minhas poesias num livro que rompeu fronteiras da Paraíba, chegou no Rio de Janeiro, em São Paulo e até na Itália. Sou um simples agricultor, camponês paraibano. Nunca pensei em lançar minhas poesias, não havia planejado isso, mas sempre busquei fazer com que meus versos tocassem e sensibilizassem as pessoas sobre a luta pela terra no nosso país, sobre a cultura camponesa. Sinto-me muito feliz porque o livro está trazendo de volta outros poetas camponeses que foram meus mestres. Fiz questão que o primeiro lançamento no Brasil tivesse que ser na minha comunidade, depois vamos fazer outros em João Pessoa e outras cidades. Ao ver o livro ser lançado na comunidade senti muita emoção porque aqui é meu lugar, lugar que cultivo a terra e tiro o pão da vida. A comunidade está muito alegre, pode ter acesso a este trabalho magnifico que fiz com o fotografo Carmelo Fioraso.
CPT NE II - Como a poesia entrou na sua vida?
JM - Meu pai, João Muniz da Cruz, conhecido como João Rosa, foi poeta. Foi acompanhando ele nas feiras, festivais e recitais, desde os 8 anos de idade, que tomei gosto pela poesia. Fomos em vários encontros de poetas populares da Paraíba, nas cidades de Sapé, Mogeiro, Itabaiana, Bayeux e até em Pernambuco, em Olinda. Meu pai foi o grande poeta que me espelhou, junto com o meu primo Manoel Muniz e Antonio Augusto, mestre e companheiro de poesia de meu pai por mais de 30 anos. Eu ficava só observando, porque diante de tanta sabedoria do meu pai e dos outros poetas, minha voz se calava. Só aos 17 anos, quando meu pai morreu, tive coragem de escrever minha primeira poesia.
CPT NE II- Como surgiu a ideia de sua participação no livro “Imagens de Resistência”?
JM - Sou de uma área de assentamento acompanhada pela CPT na Paraíba. Em 2004, quando entrei para o curso de pedagogia da Terra, comecei a recitar minhas poesias e a partir daí, a participar de várias atividades culturais quando a CPT sempre me chamava. Durante a realização da III Assembleia da CPT, em julho de 2010, na Paraíba, recitei várias poesias feitas na hora sobre os desafios do campesinato no Brasil, o território e cultura camponesa. Foi ali que Carmelo conheceu os meus versos e um mês depois chegou na minha casa e perguntou se poderia escrever as poesias.
CPT NE II– E quais são as perspectivas de ações para dar continuidade a sua missão de denunciar e anunciar através da poesia?
JM - A partir do momento em que vivemos uma história, não há como não mostrá-la: a luta pela terra, a resistência das comunidades camponesas. Buscamos resgatar, através da mística que a poesia tem, a memória das lutas, a necessidade de uma verdadeira reforma agraria e animar para que os poetas não calem e a poesia popular não morra.
Temos que refletir sobre qual o papel que a educação tem nisso tudo. A educação do campo deve valorizar todos os aspectos da cultura camponesa e valorizar suas lutas. É preciso trabalhar nas escolas a poesia popular. Assim, vamos fortalecer a história de um povo que luta e valorizar as comunidades camponesas. Tenho um sonho de um dia fazer um encontro de poetas, juntar todos os os velhos mestres da poesia popular e jovens poetas dos assentamentos. Este sonho começou a se realizar hoje, neste lançamento onde os três poetas cantaram a memória da luta camponesa. Vamos batalhar para que a memória dos conflitos e vitórias sejam resgatadas, assim vamos construir a história da luta camponesa.
CPT NE II: De tantas belas poesias neste livro qual a sua preferida?
JM – Uma que mexe sempre com meus sentimentos, que sempre me emociona é terra mal repartida, que vou recitar agora:
Foto: Carmelo Fioraso\CPT
Terra Mal repartida
Resistir para existir
Liberdade em meu País
que tenha ordem e progresso
Pra o povo viver feliz
Ordem é ninguém passar fome
Mas muita gente não come
É o regresso da nação
Progresso é a reforma agrária
cana é cultura arbitraria
Sinônimo de escravidão
Não é justo meu Brasil
Tanta terra concentrada
Poucos dominando tudo
Muitos morrendo sem nada
É o País do egoísmo
Aonde o capitalismo
Nos deixa aprisionado
Lutamos contra a opressão
Pela vitória no chão
Tanto sangue derramado.
Reforma agrária do campo
Limitar a propriedade
Eis ai a solução
pra nossa sociedade
já tem sido comprovado
O camponês dedicado
Com a extensa produção
Produz 70%
De comida pra o sustento
Da nossa população
Que o povo camponês
Caminhe em busca da paz
Mesmo sendo diferentes
Que sejam todos iguais
Respeito a diversidade
Terra, casa, e liberdade
Saúde e educação
Exercer cidadania
A plena soberania
De norte a sul deste chão.
Um grito de liberdade
Entoa neste Brasil
Vamos quebrar as correntes
Deste solo varonil
Terra é mãe, Terra vida
Ó terra mal repartida
Vamos plantar a semente
No campo faz germinar
E de fato se tornar
Uma pátria independente.
Setor de comunicação da CPT NE II